domingo, 19 de outubro de 2014

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Cinco dias depois, a 11 de Outubro de 1445, em Valência, María de Aragão mandou redigir um extenso memorando, destinado ao embaixador aragonês em Castela, no qual lhe dava instruções para que comunicasse ao seu irmão»

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Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) A delicada mas decidida intervenção da rainha de Aragão conseguiu desbloquear, em parte, a situação, uma vez que logo desde 21 de Junho começariam a chegar a Valência alguns dos servidores da falecida rainha, que o regente Pedro não desejava de maneira nenhuma que regressassem a Portugal com a infanta. Através de uma carta da rainha datada desse dia sabe-se que a infanta de Portugal recebera das mãos de um mercador os quinhentos florins das rendas de Alcolea de Cinca que o tio lhe prometera entregar. É possível que esse mercador fosse o judeu português Abraão Amigo, antigo administrador dos bens de D. Leonor, pelo qual a rainha aragonesa se interessaria alguns dias mais tarde, tal como se demonstra na missiva que escreve ao sobrinho, o príncipe Enrique para lhe pedir que intervenha por causa dos muitos serviços por ele prestados à rainha de Portugal, de boa memória, nossa cara e muito amada irmã [política].
Enquanto esperava resposta às suas pesquisas castelhanas pela sobrinha Joana, antes do final da primeira semana de Outubro de 1445 a rainha María de Aragão escreveu ao seu embaixador em Inglaterra para o informar do matrimónio acordado pelo rei de Castela com uma filha do infante João, donzela muito sábia e de grande fama. Esta carta provava que Álvaro Luna e o regente tinham chegado a um princípio de acordo sobre tal união dinástica. Embora o noivo ainda não estivesse totalmente convencido, isso permitiria à tia de Joana ter a confirmação sobre o paradeiro da infanta. Cinco dias depois, a 11 de Outubro de 1445, em Valência, María de Aragão mandou redigir um extenso memorando, destinado ao embaixador aragonês em Castela, no qual lhe dava instruções para que comunicasse ao seu irmão, o monarca castelhano, que constatara que a infanta de Portugal fora metida no mosteiro de Santo Domingo el Real de Toledo (...), destituída de todos os seus servidores e só, com grande miséria e sem lhe dar coisa alguma para viver. Por tudo isso, Dona María pedia ao embaixador que suplicasse ao rei de Castela para que se ocupasse de satisfazer as necessidades da infanta, como satisfizera as da sua mãe, porque deixando-a em tanta miséria, não seria honra do dito rei.
Nesse documento, D. María de Aragão também pedia ao seu representante diplomático que ponderasse perante o rei a situação dos cavaleiros, gentis-homens e damas que tinham feito parte da corte da falecida rainha D. Leonor antes que fossem privados das possessões que lhes tinham sido atribuídas em Toledo, encontrando-se em tal pobreza que carecem de meios inclusivamente para deixar a cidade. A rainha de Aragão manifestava-se muito admirada, de se tratarem assim cortesãos por se manterem fiéis a uma rainha que mulher era do seu rei que foi e mãe do seu rei e senhor que é. E parecia-lhe uma grande desumanidade expor e desterrar damas e donzelas que não podem ir deambulando pelo mundo sem ir provocando a infâmia de quem as fizera ir. Portanto, dado que ela desejava o repouso de Espanha e não queria que tantas vozes suplicassem perante o rei seu marido, pedia ao irmão que interviesse perante o regente de Portugal, com a maior afeição, para que os acolhesse a todos. Entretanto, solicitava ao rei de Castela que não permitisse que esses servidores passassem necessidades e que lhes fossem devolvidas as suas pousadas, porque, encontrando-se no seu reino, mesmo que fossem infiéis, encontrando-se em tal pobreza, seria obrigado a socorrê-los. Por fim, D. María encarregava o seu embaixador de falar com a prioresa do mosteiro de Santo Domingo, onde está, presentemente, a infanta dona Joana, e lhe pedisse que, da sua parte, tratasse a dita infanta com a honra e a reverência que lhe pertence». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da E. dosLivros/JDACT