De acordo com o original.
O
capitão ‘Bonina’
«(…) Costa e Silva, no Ensaio biographico-critico, diz
com razão: … qualquer freira divertia-se
mais, e gozava de mais liberdade no claustro do que na casa paterna, e por isso
as donzellas tinham tão pouca repugnância em tomar o véo. Ninguém se julgava
taful de bom tom, sem ter a sua freira, e uma freira não só era uma amante
apaixonada, mas uma protectora poderosa, porque per si, ou pelas suas
amigas, tudo conseguia, e pedia tudo para aquelle por quem se interessava!
Os conventos ardiam em corrupção de galanterias, a que raras almas resistiam. A
tentação ia de fora para o interior dos conventos, e vinha do interior dos
conventos para fora. Frasqueirinhas a my
de França com aguas de cheiro?, escrevia Francisco Manuel a uma religiosa sua
parenta. Huy, Senhora!, não faça isso. Mande-me V. M. bons conselhos, e não
queira trazer-me á memoria que houve regalos na vida, e que perdi eu os de V.
M.
As freiras do século XVII foram
por via de regra magníficos exemplares de hysterismo, por ventura principalmente
derivado das condições habituaes da existência monástica, e açulado pela
licença dos costumes da epocha. Umas espiritualisavam beatificamente os seus
amores no vulto intangível de um esposo ideial, Jesus Christo, que as visitava nas
cellas e no coro, pertencendo aos physiologistas explicar se n’esses arroubos
mysticos o corpo não partilhava da voluptuosidade amorosa do espirito. As
chronicas andam cheias d’estes exemplos. Outras pendiam, impellidas por maior
violência de temperamento, a uma sensualidade menos espiritual, permitta-se-me
a expressão, e procuravam a realidade deleitosa de um amante menos divino do
que Jesus. Avulta n’este caso como exemplo a religiosa portugueza, auctora das
celebres Cartas, que Luciano
Cordeiro acaba de estudar notavelmente, e que se suppõe ter sido soror
Marianna Alcoforado, tomando como ponto de partida a revelação lançada,
quasi século e meio depois, n’um exemplar do Diccionario de Brunet, pertencente a Boissonade.
A
philosophia, uma cousa sabia que se inventou para explicar todas as virtudes e
todos os vicios da natureza humana, abrange perfeitamente qualquer d’estas
modalidades pathologicas de hysterismo conventual. No primeiro dos casos
citados, encosta-se ao hespanhol Molinos, que também no século XVII sustentou a
doutrina quietista da absorpção em Deus. No segundo caso, as freiras
seiscentistas podiam desculpar-se, á sombra da philosophia, com o pantlieismo idealista
de Amaury de Chartres, que floresceu no século XII, segundo o qual as creaturas
não são mais do que as formas individuaes da substancia divina, única e una; ou
ainda talvez melhor com o pantheismo materialista de David de Dinant, para o
qual Deus era a matéria universal, essência de tudo, sempre idêntica, nos
homens ou nas cousas. Luciano Cordeiro parece ligar uma grande influência ao
quietismo de Molinos na vida conventual do século XVII; mas a philosophia
influenciadora das freiras já vinha de muito longe, de David de Dinant por
exemplo, ou, mais longe ainda, do pantheismo oriental de Scoto. Ha na Torre do
Tombo um manuscripto de que eu pude extrair algumas indicações, interessantes e
novas, para reconstruir a vida mundana de António Fonseca Soares. A este manuscripto,
que abrange a chronica do convento de Jesus em Setubal começada em 1797 e acabada em 1803, terei de referir-me varias vezes. Escreveu-o uma religiosa
d’aquelle convento, soror Anna Maria do Amor Divino, que, com discreta dicacidade,
dá noticia da relaxação a que ali havia chegado a vida monástica». In
Alberto Pimentel, Vida Mundana de um Frade Virtuoso, Perfil Histórico do Século
XVII, PQ9191A65Z18, Livraria António Pereira, Lisboa, 1889.
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