Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) Quando as tropas lusas chegaram a Castelo Rodrigo, o condestável
de Portugal ficou a saber que já não eram necessárias. Na tarde de 19 de Maio
de 1445,as forças conjuntas do rei
castelhano, do príncipe Enrique e de Álvaro Luna tinham defrontado as tropas
dos infantes de Aragão e dos seus aliados castelhanos nos arredores da vila de Olmedo,
numa batalha considerada muito sangrenta para a época, com resultado de vinte e
dois mortos e numerosos feridos graves, entre os quais se contava o infante
Enrique de Aragão. A vitória das tropas reais fez cair sobre os vencedores uma
chuva de prestigiosos títulos nobiliárquicos, entre eles o marquesado de Villena,
atribuído a Juan Pacheco e o de Santillana, concedido ao chefe da linhagem
Mendoza de Guadalajara, títulos que anos mais tarde figurariam continuamente
nos documentos relacionados com as peripécias castelhanas de D. Joana. Mas nem
eles nem, naturalmente, os vencidos, se livraram mais tarde de ser os
protagonistas da primeira manifestação de poesia satírica popular castelhana.
As chamadas Coplas de la panadera, que se atiçariam contra as fraquezas, verdadeiras
ou supostas, dos participantes naquela batalha. Nesses versos já se
manifestavam algumas das obsessões que iriam reaparecer nas quadras que mais
tarde seriam escritas contra D. Joana e o marido. Os temas mais destacados: a
vaidade da nobreza castelhana, a escassa moralidade, em matéria sexual, de
muitos destes personagens e as supostas origens obscuras (eufemismo para judeus)
de alguns cortesãos, como o contador-mor do rei de Castela, Fernán Lopez
Saldaña, tio carnal de Diego Saldaña, antigo escrivão de ração de D. Leonor de
Portugal e futuro servidor de D. Joana. Mas também: embora filtradas pela perspetiva irónica e brincalhona (...),
considerações nada edificantes sobre a índole sexual do príncipe Enrique e os
seus supostos gostos particulares.
Feliz pelo triunfo em Olmedo, que o libertava definitivamente dos seus
invasivos cunhados, o rei de Castela convidou o jovem condestável de Portugal a
aproximar-se de Mayorga. Aí, o formoso Pedro foi tratado com muitas honras e festas e, antes de partir, foi obsequiado com dádivas de joias, e cavalos e mulas e
outras coisas de grande preço, assim como um colar muito rico, avaliado em dez mil florins. No entanto,
continuava pendente o pagamento dos quarenta e cinco mil florins que tinham
custado as tropas portuguesas contratadas. Uma dívida que acabaria por
condicionar o futuro da sua prima, a infanta D. Joana. Entretanto, a vitória
produziu um resultado que afectou o presente do seu futuro marido. Segundo
conta Palencia, antes da batalha de batalha
de Olmedo, ainda a ideia de poder dos irmãos [os infantes de Aragão] tinha
o seu máximo efeito entre os espanhóis, o príncipe Enrique não abandonara
abertamente a sua infeliz esposa (...). Mas depois da fuga do seu sogro (...),
como já estava livre do medo de duras represálias, começou a manifestar sinais
mais extremos de aborrecimento. Embora alguns documentos provem que o
príncipe esteve longe de maltratar a sua esposa, e que a separação física
ocorrera amistosamente no ano anterior, Palencia está certo ao afirmar que foi
depois da batalha de Olmedo que começaram a circular as primeiras vozes sobre o
possível divórcio de Enrique, imprescindível para que ele se pudesse casar com
a infanta D. Joana.
A 27 de Maio, ignorando que o seu irmão Juan de Navarra fugira para
terras aragonesas e que, na batalha de Olmedo, o ferimento de Enrique, que pela precipitada fuga não pôde curar-se,
causou-lhe uma gangrena no braço que tornou inúteis os cuidados dos médicos,
Alfonso V de Aragão voltou a escrever ao seu embaixador no reino castelhano para
lhe comunicar o seguinte: … se se
confirmar a fama divulgada em toda a parte de que a morte das rainhas de
Castela e de Portugal se deveu a indústria e maldade, não façam nada a esse respeito,
calem isso. Uma cautela relacionada com a necessidade de não prejudicar a infanta
D. Joana. Por isso, no início de Junho de 1445,
a rainha de Aragão empreendeu uma nova actividade epistolar com o irmão, o rei
de Castela, para tentar abrandar o que ela suponha ser (e possivelmente era)
o severo controlo imposto por Álvaro Luna sobre D. Joana, ao mesmo tempo que
esperava convencer o regente de Portugal da conveniência de casar a filha mais
velha do falecido infante João, duque de Beja, neta do duque de Bragança, com o
recém-enviuvado rei de Castela. É muito provável que, como elemento de pressão,
o valido castelhano tenha imposto uma espécie de muro de silêncio em torno do
paradeiro de D. Joana». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o
Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio
Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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