Elementos
para a História Diplomática Portuguesa
«(…)
Como é natural, muito influiu para esta decisão a mudança da política
britânica. De facto, ao tentarmos compreender muitos passos da intrincada partida
que então começara, torna-se imprescindível ter presente os padrões segundo os
quais gravitam os nossos contactos externos. A premissa fundamental que dá a
chave para a política externa deste período é o princípio de que deve ser
entendida em termos de império e não apenas de metrópole. Deste modo, muitas
posições assumidas reflectem o particular cuidado em não pôr em causa os
fundamentos básicos de uma estratégia tradicional: a orientação atlântica. Ora,
incontestável na sua supremacia marítima, a Inglaterra era a única potência que
podia garantir num conflito generalizado, a defesa das nossas colónias. A esta
razão, já de si poderosa, acresce o facto de naquele momento se verem
congraçados os dois gabinetes com quem mantínhamos mais apertadas relações. O
papel de um pequeno país na versátil e complexa conjuntura europeia da época não
podia ter sido outro senão aquele conscientemente trilhado pelo Ministério português.
À falta de preparativos militares e das necessárias condições que os favorecessem,
a diplomacia teria de suprir com êxito as consequências dessa realidade. Assim,
se para as conveniências continentais nos vamos entregar a um hábil jogo de
gabinetes, em função da integridade do Império a nossa atitude será
iniludivelmente firme, segura e constante.
Mesmo
agora, ao romper com a sua habitual indiferença pelos problemas europeus,
Lisboa tomava as mais atentas precauções. Intervinha no cumprimento da letra
dos Tratados, mas fazia-o tão-somente como potência auxiliar e não como aliada.
Outrossim se esclarecia que o apoio seria fornecido à coligação
hispano-britânica, sendo automaticamente retirado uma vez desfeito aquele
concerto. Será, pois, na consecução destes pontos de vista que a 15 de Julho e
a 26 de Setembro Portugal assinará, respectivamente com a Espanha e com a
Grã-Bretanha, duas convenções defensivas. Sobre esta última, insistiu-se
sobremaneira para que fosse feita conforme as cláusulas sancionadas pelo Tratado
de 1703, determinando a exigência de uma reciprocidade, fecunda à
defesa dos nossos territórios de aquém e de além-mar. Para isso mesmo contribuía
também a esquadra, já antes aparelhada, com destino a servir de auxílio à
flotilha inglesa que operava no Mediterrâneo. A esquadra do Canal, como lhe chamaram, revestia-se de um duplo
significado: defendendo a navegação e a própria costa dos ataques da pirataria barbaresca,
obrigava a Grã-Bretanha, de acordo com os Tratados, à defesa incondicional das
nossas possessões ultramarinas. Daí o grande pesar de Sousa Coutinho quando,
pela peste declarada entre os tripulantes, a frota teve de regressar ao Reino,
sem ter sequer entrado em acção. O ano de 1794
define-se pela intensa actividade militar que suportou: a guerra dava tréguas à
diplomacia». In Fernando Castro Brandão, A Política Externa Portuguesa e a Aliança
Defensiva de 1799 com a Rússia, Elementos para a História Diplomática
Portuguesa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, INCM, Lisboa, 1974.
Cortesia
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