As
Capacidades como Direitos Fundamentais: Sem e a Justiça Social
A
Abordagem das Capacidades e a Justiça Social
«Ao
longo de toda a sua carreira, Amartya Sen tem dedicado uma especial atenção à
temática da justiça social. As desigualdades entre as mulheres e os homens têm
tido uma particular relevância no seu pensamento e a conquista da justiça de
género constitui um dos principais objectivos do seu trabalho. Opondo-se à
ideologia dominante, que se centra no crescimento económico como indicador da
qualidade de vida de um país, Sen tem chamado a atenção para a
importância das capacidades e
afirmado que elas são um dos indicadores daquilo que as pessoas são de facto capazes
de fazer e ser. Sen sempre defendeu que é necessária uma mudança no modo como
as questões de género são encaradas pela sociedade. Na medida em que não nos indica
até que ponto as pessoas se encontram privadas de protecção, o crescimento não
é um bom indicador da qualidade de vida; pensa-se frequentemente que as mulheres
são incapazes de tirar partido da prosperidade geral de uma nação. No entanto,
se tentarmos compreender aquilo que as pessoas são de facto capazes de fazer e
ser, ser-nos-á possível compreender muito melhor as barreiras que foram
erguidas pelas sociedades de forma a impedir que o sexo feminino pudesse ter
acesso a uma justiça plena. Do mesmo modo, Sen também não aprova as abordagens
que medem o bem-estar social em função do conceito de utilidade, referindo-se à
circunstância de muitas vezes as mulheres apresentarem preferências adaptativas, ou seja, preferências que são adaptadas
ao estatuto de segunda classe que lhes foi atribuído. Nesse sentido, a norma
utilitária segundo a qual se pretende avaliar não só aquilo de que as pessoas
mais gostam como o grau de satisfação que dizem sentir, demonstra não ser
adequada para fazer face às mais prementes questões referentes à justiça de género.
Apenas nos será possível alcançar uma teoria da justiça de género satisfatória
ou, em termos genéricos, uma teoria da justiça social, se estivermos na
disposição de reivindicar direitos fundamentais, visto que em grande medida
eles não dependem das preferências que as pessoas dizem ter, preferências essas
que têm muitas vezes origem em situações que são injustas à partida.
Esta
crítica dos paradigmas dominantes no ideário da justiça de género é uma
característica predominante do trabalho de Sen e obviamente é não só a sua
principal motivação para a realização da abordagem
das capacidades, como o seu principal potencial no desenvolvimento de uma
teoria de justiça de género. No entanto, se o leitor pretender encontrar no seu
trabalho um enunciado pormenorizado da justiça social em geral, ou da justiça
de género em particular, não conseguirá fazê-lo e será obrigado a deduzir ambos
a partir do sugestivo material que ele contém. Em Desenvolvimento como Liberdade Sen apresenta uma pertinente
linha de pensamento na qual defende que as capacidades nos oferecem a melhor
das premissas para uma análise dos objectivos do desenvolvimento. As capacidades
proporcionam-nos uma forma atractiva de aprofundar o conteúdo padronizado do
conceito de desenvolvimento, tanto quando as nações são comparadas entre si por
medidas internacionais de bem-estar, como quando cada uma delas tenta
desenvolver um esforço a nível interno para alcançar um maior grau de
desenvolvimento para o seu povo. O facto de se considerar o aumento do PIB per capita como o principal objectivo do
desenvolvimento tem omitido desigualdades de distribuição que são
particularmente decisivas quando se analisa a questão da igualdade entre as
mulheres e os homens. Este tipo de visão também não conseguiu dissociar nem
analisar separadamente alguns aspectos que são cruciais para o desenvolvimento,
como o da saúde e o da educação que, como muito facilmente se pode demonstrar,
não se encontram muito correlacionados com o PIB, mesmo quando se tem em conta
o aspecto da distribuição. Pensar nos objectivos do desenvolvimento em termos
de utilidade tem pelo menos o mérito de permitir identificar que processos são
úteis às pessoas. No entanto, argumenta Sen, o conceito de utilidade não
permite que se apreendam a heterogeneidade ou a incomensurabilidade dos
múltiplos aspectos do desenvolvimento». In Martha C. Nussbaum, Educação e Justiça
Social, Colecção Contrapontos, Edições Pedago, Mangualde, 2014, ISBN
978-989-8655-34-9.
Cortesia
de EPedago/JDACT