Aquele precário reino do
exilio
«(…)
Uma vez que a educação escolar e académica ocidental possui conhecidas bases
europeias, não surpreende que o famoso banimento dos poetas em A Republica
de Platão seja frequentemente apontado
como o exemplo mais categórico da tumultuada convivência que sempre
caracterizou as relações entre artistas e intelectuais com as instâncias
estabelecidas pelo poder político. A partir desta cena original, a historiografia das artes em geral, e da literatura
em particular, tem pesquisado à exaustão as afinidades entre o exilio e a produção
artística. Os anelos por Canaã em terras babilónicas e a evocação dos orixás em
solo brasileiro, os versos revoltados de Calibã e os versos satânicos de
Gibreel Farishta, a poesia de Petrarca e a de Mahmoud Darwish, o jazz nascido
nos Estados Unidos e o hip-hop norte americano adoptado por jovens palestinos
para expressar a sua animosidade contra Israel, o fado e o flamenco, todos são belíssimos
exemplos da exuberante constelação de canções do exílio produzidas nos mais
diversos momentos e nas mais complexas circunstâncias que sempre pontuaram a
instintiva necessidade humana de simbolização da experiência de separação entre
o sujeito e suas origens. Diante disto, os historiadores e críticos literários cunharam
o termo literatura do exilio, que,
por muitos anos, guiou as análises das narrativas que nasceram do trauma desta separação.
Rapidamente, porém, tal conceito começou a revelar as suas imperfeições e limitações.
Entre outras, destaca-se a própria ambiguidade que o termo é incapaz de
recobrir, uma vez que a literatura do exílio pode ser constituída tanto pelos
textos escritos por autores exilados em reflexão sobre a sua experiência quanto
por outros, exilados ou não, que adoptem o tema do exilio como fio condutor de
suas construções ficcionais. Apesar de unidas pela temática, as diferentes
narrativas criadas trazem um problema teórico muito importante para o centro do
debate: a experiencia. Este
assunto será abordado mais detalhadamente em relação específica com os exilados
sul-africanos, mas por ora, é importante reconhecer a existência de um conflito
entre o que podemos chamar de literatura
do exilio produzida pelo exilado e literatura do exilio produzida pelo não exilado.
Alem
desta questão particular, em pouco tempo foi ficando claro que a adopção,
especialmente no âmbito do senso comum, do termo exílio para designar de
maneira relativamente indiscriminada as diversas formas de deslocamento humano,
poderia vir a esvaziar o conceito de sua relevância adquirida nos primeiros
ensaios e teses que contribuíram para estabelecê-lo no meio académico. Por esta
razão, surgiram novas nomenclaturas em meio as reflexões acerca do impacto do
deslocamento espacial sobre o espaço textual, e os teóricos e novos estudiosos
foram-se adaptando a termos como literatura
da diáspora, literatura migrante e nomadismo
literário. Um estudo extremamente instigante e
que já percebe a limitação da expressão literatura
do exilio foi publicado por T. Eagleton ainda na segunda metade da década de
1960. Talvez um dos aspectos mais
atraentes desta obra resida no facto de seu autor ter lançado mão da escrita de
autores em exilio na Inglaterra para avaliar a obra de escritores nascidos no
país, como E. Waugh, G. Greene, W. H. Auden e D. H. Lawrence. Para Eagleton, o facto
de que estes últimos se tornaram exilados em determinado momento de suas vidas
precisa ser lido à luz do impacto causado sobre as letras britânicas por
artistas estrangeiros que haviam se estabelecido no país anteriormente, como J.
Conrad, H. James, T. S. Eliot e E. Pound.
Para Eagleton, a figura do escritor
exilado está na base de uma importante distinção entre a literatura britânica
do século XIX e a do século XX. Enquanto, no primeiro período, os principais
autores seriam aqueles nascidos em solo inglês, no segundo, o cânone das letras
britânicas teria sido dominado por autores vindos de outros países. No entanto,
a explicação encontrada por Eagleton para este facto depende de conceitos de
fraca aceitação na teoria literária actual, como transcendência e
universalismo. Em linhas gerais, o autor acredita que os escritores
novecentistas, a despeito de suas origens em classes sociais específicas e de seus
comprometimentos particulares, eram
capazes de transcender as suas subjectividades a fim de criar uma representação
universal da sociedade de sua época». In Anderson Bastos Martins, Onde Fica o
Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer,
Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras, Brasil, 2010.
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