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Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
Cristãos e judeus: o antijudaísmo
«(…)
As próprias exigências dos povos nas cortes e as diversas cartas régias,
promulgadas ao longo de Trezentos e, sobretudo, de Quatrocentos, permitem-nos
afirmar que o próprio fenómeno segregacionista, manifestação mais ou menos directa
do sentimento antijudaico, só tardiamente se cumpriu na totalidade do reino. De
facto, comunidades houve que tiveram os seus bairros fechados, durante o século
XV, como Lamego, enquanto outras extravasavam a própria judiaria, habitando os
judeus ao lado dos cristãos, como em Santarém ou em Lagos. Também o uso de sinal,
exigido pelas leis de Afonso IV e João I, não foi executado integralmente pelas
autoridades de Quatrocentos. Não só as excepções no-lo permitem concluir, como
também o facto de as comunas obterem a anuência do soberano para a dispensa do
distintivo por parte da população judaica nos locais em que fossem conhecidos
como judeus. Este passava a ser, sobretudo, necessário quando se deslocavam ou
permaneciam nos concelhos em negócios, ou em trânsito.
Assim,
as isenções régias e a permissão das autoridades municipais, consentindo que os
judeus residissem na cristandade ou não usassem sinais, foram uma realidade,
com raras excepções perfeitamente localizáveis no tempo e no espaço, até que o
clima de instabilidade social as veio restringir e interditar, já no último
quartel do século XV. Podemos dizer que, a nível do continente europeu e até da
Península, os levantamentos antijudaicos em Portugal foram quase nulos. Isto
não quer dizer, obviamente, que o sentimento antijudeu fosse inexistente. No
entanto, ele manifestou-se mais na verborreia insidiosa dos procuradores dos concelhos
às cortes, onde a rivalidade económica era nítida, do que nas revoltas contra
as judiarias e na dizimação das suas populações. Assim, aqueles protestavam
contra os favores régios para com uma minoria de judeus privilegiados,
mercadores, artesãos e físicos, em detrimento da gente honrada do povo, tal como
se revoltavam contra o muito capital que os judeus possuíam e investiam num comércio,
em detrimento da agricultura, actividade maioritariamente assumida pela
população cristã. Queixavam-se do acesso que a minoria tinha aos arrendamentos
dos direitos reais e dos monopólios económicos.
Durante
a centúria de Quatrocentos, o sentimento antijudaico foi-se estabelecendo e
manifestando, por vezes, de um forma inusitadamente agressiva, como ocorreu em
Lisboa, por altura do Natal de 1449.
Segundo Rui de Pina, na sua Crónica de D. Afonso V,
estando a corte ausente de Lisboa, teria surgido uma altercação, mais acesa do
que o costume, entre alguns judeus da cidade e alguns rapazes cristãos, que
viria a provocar o levantamento do povo miúdo. Este, acompanhado por
marinheiros estrangeiros, sitos no porto, assaltou uma das ruas mais
importantes da judiaria grande, aquela que, indo do Poço da Fotea, se
dirigia à Rua dos Mercadores da judiaria e à sinagoga grande, roubando,
destruindo e matando os judeus que se lhes opunham. O concelho e as autoridades
régias reagiram prontamente, julgando e condenando à forca os cabecilhas do
motim, que fora uma coisa nunca vista
antes em Portugal. Reflexo do que se passava em Castela contra os judeus e conversos? Ou
a afirmação dos primeiros sinais de ruptura na convivência entre as gentes dos
dois credos, no reino, que assim passava das agressões verbais, nas cortes, para os actos de violência fisica?»
In
História de Portugal, João Medina, volume VII, Judeus, Inquisição e
Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A Questão Judaica, SAPE,
Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN 972-719-275-0.
Cortesia
de Ediclube/JDACT