quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Judeus. Inquisição. Sebastianismo. A Questão Judaica. Maria José Tavares. «Durante a centúria de Quatrocentos, o sentimento antijudaico foi-se estabelecendo e manifestando, de um forma agressiva, como ocorreu em Lisboa, por altura do Natal de 1449»

jdact e cortesia de im

A Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
Cristãos e judeus: o antijudaísmo
«(…) As próprias exigências dos povos nas cortes e as diversas cartas régias, promulgadas ao longo de Trezentos e, sobretudo, de Quatrocentos, permitem-nos afirmar que o próprio fenómeno segregacionista, manifestação mais ou menos directa do sentimento antijudaico, só tardiamente se cumpriu na totalidade do reino. De facto, comunidades houve que tiveram os seus bairros fechados, durante o século XV, como Lamego, enquanto outras extravasavam a própria judiaria, habitando os judeus ao lado dos cristãos, como em Santarém ou em Lagos. Também o uso de sinal, exigido pelas leis de Afonso IV e João I, não foi executado integralmente pelas autoridades de Quatrocentos. Não só as excepções no-lo permitem concluir, como também o facto de as comunas obterem a anuência do soberano para a dispensa do distintivo por parte da população judaica nos locais em que fossem conhecidos como judeus. Este passava a ser, sobretudo, necessário quando se deslocavam ou permaneciam nos concelhos em negócios, ou em trânsito.
Assim, as isenções régias e a permissão das autoridades municipais, consentindo que os judeus residissem na cristandade ou não usassem sinais, foram uma realidade, com raras excepções perfeitamente localizáveis no tempo e no espaço, até que o clima de instabilidade social as veio restringir e interditar, já no último quartel do século XV. Podemos dizer que, a nível do continente europeu e até da Península, os levantamentos antijudaicos em Portugal foram quase nulos. Isto não quer dizer, obviamente, que o sentimento antijudeu fosse inexistente. No entanto, ele manifestou-se mais na verborreia insidiosa dos procuradores dos concelhos às cortes, onde a rivalidade económica era nítida, do que nas revoltas contra as judiarias e na dizimação das suas populações. Assim, aqueles protestavam contra os favores régios para com uma minoria de judeus privilegiados, mercadores, artesãos e físicos, em detrimento da gente honrada do povo, tal como se revoltavam contra o muito capital que os judeus possuíam e investiam num comércio, em detrimento da agricultura, actividade maioritariamente assumida pela população cristã. Queixavam-se do acesso que a minoria tinha aos arrendamentos dos direitos reais e dos monopólios económicos.
Durante a centúria de Quatrocentos, o sentimento antijudaico foi-se estabelecendo e manifestando, por vezes, de um forma inusitadamente agressiva, como ocorreu em Lisboa, por altura do Natal de 1449. Segundo Rui de Pina, na sua Crónica de D. Afonso V, estando a corte ausente de Lisboa, teria surgido uma altercação, mais acesa do que o costume, entre alguns judeus da cidade e alguns rapazes cristãos, que viria a provocar o levantamento do povo miúdo. Este, acompanhado por marinheiros estrangeiros, sitos no porto, assaltou uma das ruas mais importantes da judiaria grande, aquela que, indo do Poço da Fotea, se dirigia à Rua dos Mercadores da judiaria e à sinagoga grande, roubando, destruindo e matando os judeus que se lhes opunham. O concelho e as autoridades régias reagiram prontamente, julgando e condenando à forca os cabecilhas do motim, que fora uma coisa nunca vista antes em Portugal. Reflexo do que se passava em Castela contra os judeus e conversos? Ou a afirmação dos primeiros sinais de ruptura na convivência entre as gentes dos dois credos, no reino, que assim passava das agressões verbais, nas cortes, para os actos de violência fisicaIn História de Portugal, João Medina, volume VII, Judeus, Inquisição e Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A Questão Judaica, SAPE, Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN 972-719-275-0.

Cortesia de Ediclube/JDACT