«De toda sua vida, qual é o
instante, o fragmento, o pontinho de luz que mais vezes lhe ocorre para dizer que viver vale a pena? Ter a
capacidade de amar alguém ou algo na vida. Ser capaz de pôr nisso todas as
forças, toda a capacidade que, no fim de contas é a capacidade para viver». In LER, Outono de 2003.
A Indomável
«Em 1953, uma autora já
conhecida de leitores atentos, publica um livro que inaugura uma data na ficção
portuguesa contemporânea. O título famoso, como sabemos, é A Sibila, título profético no qual Agustina Bessa-Luís profetiza o seu próprio destino e a sua vocação
de vidente e visionária. Esse título representou na época, para quem estava
atento, o fim de uma hegemonia que, desde há 15 anos dominava, com razões para
isso, o panorama da ficção portuguesa, aquilo a que se chamou neo-realismo. A Sibila não é um romance
que se coloque em qualquer oposição, ou ideário, à prática ficcional desse neo-realismo.
É um livro que começa num outro lugar. O lugar que não existia antes dele, pela
originalidade da história, pela temporalidade ficcional que é a da memória, ela
própria tão inventada como realisticamente evocada, em suma, um tipo de ficção que
noutras paragens já tinha obras em que Agustina
se podia inspirar, mas que ela renovou e preencheu de um tipo de vivências não
só da sua memória subjectiva como do inconsciente duma cultura do Portugal mais
arcaico, ou melhor, do imemorial. Essa obra foi seguida de uma produção
torrencial sempre cedentes na nossa literatura mesmo se nela integramos Camilo,
um dos referentes da cultura desse imemorial que ela levará até à sua incandescência.
Mais tarde, a cultura portuguesa aperceber-se-á que além da originalidade literária
de ASibila enquanto ficção e escrita,
uma escrita por vezes aleatória e fantasmagórica, essa obra instaurava sem que
ainda se soubesse muito bem uma espécie de longo reinado da literatura feminina
em Portugal. No caso dela, mais feminina doque feminista, que Agustina não é nem nessa perspectiva uma
ideóloga mas um exemplo da sua ficção povoada de personagens femininas entre as
quais a do seu primeiro livro, MundoFechado,
que impôs um mundo da mulher até então subalternizado com uma evidência que as suas
sucessoras receberam já como uma herança natural. Até porque Agustina tinha demasiado humor para ser
feminista, sobre as outras mulheres. E, por incrível que possa parecer e muitas
vezes não é entendida, sobre ela própria.
Pouco a pouco, Agustina impôs-se como uma paisagem literária
sem igual na nossa literatura com livros como AMuralha, Os
Incuráveis, OManto, e
mais tarde outros que adquiriram uma segunda vida através do cinema de Manoel
d’Oliveira como Fanny Owen ou Vale Abraão impuseram-se
e entraram não só no imaginário nacional mas universal. Infelizmente, a escrita
constantemente paradoxal e surpreendente de Agustina ainda não encontrou, pela sua dificuldade, o eco que merece.
Mas pode esperar. Num livro que particularmente me deslumbrou, Um Cão Que Sonha, Agustina revisita a sua juventude e dá-nos
um pouco a misteriosa e insólita perspectiva da sua ficção, como destinada a
ser devorada por um outro que será o autor da sua obra em vez dela. Como se
ela, que, como é sabido, tão pouco aprecia Fernando Pessoa, inventasse um mito
da sua criação proliferante para se converter numa ficção sem autor. E isto
pode ser uma fábula que resume o que trouxe realmente de novo Agustina para a ficção da sua época. Menos
uma voz que narcisicamente inventa um mundo para se afirmar através dele do que
para ser, por assim dizer, a voz anónima das múltiplas memórias do seu universo
povoado de figuras cada uma resumindo a extravagância da vida como se fossem seres
da natureza indomáveis e imortais. Como ela». In Eduardo Lourenço, Lisboa, 29
de Novembro de 2008.
A Romancista que Sonhou a
sua Obra
«Agustina Bessa-Luís
continua, como sempre, a passear e acuidar das flores do jardim de sua casa, no
Porto, com o Douro ao fundo, uma casa, disse um dia, com fantasmas reais,
traduzido sem ruídos, presenças, sinais. A Amarantina pode não voltar a escrever, mas o seu universo ficcional é um território
em aberto. A vida prega-nos várias partidas. Às vezes basta só uma para torná-la
num tormento, numa boa parte em casos de amor, e a maioria das vezes é muito
injusta. A que sofreu Agustina, um acidente
vascular cerebral, não tem palavras que a descrevam mesmo que as procuremos nas
mais de 60 obras e milhares de páginas com que iluminou a existência dos seus
leitores e, como todos os grandes criadores, do mundo. Aconteceu há cerca de
dois anos, terminado A Ronda da Noite,
o seu último livro, em 19 de Julho de 2006,quando se declarou uma febre persistente, obrigando-a a
abrandar todo o trabalho. A
Amarantina, era assim que gostava que a tratassem, encerrou,
para sempre, a sua actividade literária: deixou de escrever, de ler, como se
uma ficção sua se atravessasse no caminho e encontrasse, de novo, o Mundo
Fechado, título da primeira novela vinda a lume em1948». In Carlos C. Leme, Revista LER, Janeiro de 2009.
In Revista
Ler, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço, Carlos C. Leme, Outono, 2003,
Wikipedia.
Cortesia
revista LER/JDACT