quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Política, História e Cidadania. Jaime Cortesão. Elisa Neves Travessa «… também depois de implantada a República, um grupo de Artistas pretendia ‘erguer com as suas obras a nova catedral da Raça’. Pretendia-se erguer um monumento espiritual de forma a “coroar a Revolução de Beleza, já que a não souberam coroar de Justiça!”»

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Renascença Portuguesa e a Guerra. O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Concretização do sonho
«(…) Cortesão, nas palavras que dirige a Raul Proença, defende que a Associação, de carácter secreto, oriente a sua acção por meio de um programa e de um regulamento interno. Sugere que seja Raul Proença a elaborar o primeiro desses documentos, tendo em conta a profunda amizade e reconhecimento das suas competências e, talvez a partilha do mesmo idealismo optimista e a comunhão em torno de um mesmo conceito de revolução. Embora declare a sua preferência, não deixa de sugerir algumas directrizes: ao programa deveria presidir uma orientação idealista, um largo espírito de tolerância, uma fundamentação rigorosa e a imposição de altos deveres a todos os associados. Cortesão revela, pela correspondência a que temos feito referência, que procurou desempenhar no seio deste projecto uma posição conciliadora para que as divergências latentes e as singularidades do pensamento e acção enriquecessem o projecto, ao invés de desvirtuarem o principal objectivo de toda a acção a empreender. Segundo o Poeta-historiador essa missão teria sido cumprida até porque o pensamento orgânico da Renascença correspondia a uma aspiração da consciência colectiva e as acções que desencadearam, nos anos seguintes à sua fundação, teriam sido marcadas pela unidade e coerência íntima das manifestações espirituais, vindas de várias personalidades e sectores alheios ao grupo mais combativo da Renascença propriamente dita. Estas palavras confirmam que o idealista, que vagueou durante quarenta anos pelo mundo real, mantém o mesmo vigor e a mesma capacidade de sonhar e acreditar nas possibilidades de criar, consensualizar, regenerar, construir.
A Renascença congregou vontades e ideais num objectivo comum e procurou tornar-se a consciência activa dum fenómeno social de ressurgimento, mas nem sempre a unanimidade foi conseguida. A explicação talvez resida no facto deste movimento integrar elementos de tendências diversas e diferentes formas de pensamento e estratégias de acção que mais tarde acabaram por provocar o afastamento dos que enveredaram por caminhos diversos. O próprio Cortesão o reconhece lembrando os representantes de uma ala de renascentes que se opunham ao ideal literário, político ou filosófico do saudosismo, António Sérgio e Raul Proença. Para além disso, a preferência de Cortesão por Proença para a redacção do programa e as considerações em torno da direcção da revista A Águia denunciam também a existência de clivagens desde a definição do programa do movimento. Embora expressando diversas vezes admiração pelo poeta do Saudosismo, e sendo por ele muito influenciado, Cortesão procurou delinear um sentido de voo singular e liberto do pensamento filosófico de Pascoaes, divergindo mais tarde deste em relação a considerar o estrangeirismo como factor de decadência. Na análise retrospectiva do movimento, ao fazer referência a Sérgio e Proença, que defendiam uma reforma mais vasta da mentalidade portuguesa, Cortesão acaba por concluir que nação alguma pode viver perpétua e exclusivamente sobre tradições próprias; e que a assimilação de valores culturais estranhos representa, na maioria dos casos, um acto de saúde e rejuvenescimento indispensável. No entanto, na fase inicial da Renascença, Cortesão anunciava a sua obra patriótica perpassada por um misto de idealismo vitalista e espiritualismo, concebida por uma legião de homens fortes e serenos, de olhos postos num ideal de pura Beleza. Assim, como após a Batalha de Aljubarrota o monarca João I mandou erguer o Mosteiro da Batalha e, depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia, o rei Manuel I ergueu os Jerónimos, também depois de implantada a República, um grupo de Artistas pretendia erguer com as suas obras a nova catedral da Raça. Pretendia-se erguer um monumento espiritual de forma a coroar a Revolução de Beleza, já que a não souberam coroar de Justiça!» In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais do Pendsamento Contemporâneo, Ensaio, Política, História e Cidadania, 1884-1940, ASA Editores, Setembro de 2004, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.

Cortesia de Edições ASA/JDACT