A
Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
Cristãos e judeus: o antijudaísmo
«(…)
Uma razão ou outra, ou ambas, a verdade é que, se os judeus Portugueses sentiram
crescer contra si a animadversão declarada do povo miúdo, não tornaram a conhecer
acto semelhante. No entanto, o antijudaísmo aumentava no reino e traduzia-se,
não só pelas palavras dos procuradores nas cortes, mas também pelas pregações
religiosas, onde aqui e além brotavam sentimentos antijudaicos, como ocorreu com
mestre Paulo, em Braga, mas sem qualquer consequência de agressões físicas para
a comunidade minoritária, excepto o crescimento da insegurança e instabilidade
social. Seria já no reinado de João II que estas se declarariam, provocadas
pelos diversos surtos de peste, pela fuga para Portugal de conversos castelhanos,
acusados de heresia e perseguidos pelo Tribunal da Inquisição (maldito) de Castela, e,
por fim, pela expulsão da minoria judaica do reino vizinho e o acolhimento, em
Portugal, de uma parte dela. Manifestação de antijudaísmo foi a polémica
religiosa. Ao contrário do que sucedeu nos reinos vizinhos, pouco sabemos sobre
a controvérsia religiosa e os escritos originais de apologética. De facto, o
que conhecemos diz respeito às livrarias dos mosteiros, como o de Alcobaça,
onde existia um ou outro manuscrito de polémica religiosa, cópia de obras produzidas
em França ou nos reinos peninsulares durante o século XIII.
No
entanto, o único texto de apologética e de teor antijudaico, escrito por um
português, um judeu de Tavira convertido ao cristianismo, revelava o
conhecimento das obras polemistas castelhanas. Segundo Révah, mestre António,
físico e afilhado de João II, ao escrever Ajuda da fé, copiava excertos da obra
de Jerónimo de Santa Fé, um converso como ele, retirando-lhes a agressividade
antijudaica que este manifestara. Mas se o antijudaísmo não se encontrava
presente na generalidade das relações quotidianas, ele circulava sub-repticiamente
no inconsciente colectivo do povo, traduzindo-se em certas atitudes insultuosas
contra os membros da minoria, como, por exemplo, no apodo de cães ou na afirmação da superioridade de
qualquer cristão em relação a um judeu. No entanto, seria já nos séculos XVI e
XVII que este sentimento alastraria, manifestando-se de uma forma violenta no quotidiano
dos portugueses. A literatura e as pregações, ao minimizarem o povo
judaico/converso e ao contraporem o elogio dos cristãos, porque seguidores do
verdadeiro Messias, conduziriam à sublimação do recalcamento social da própria
minoria, através da afirmação de comportamentos de superioridade, bem patentes
no domínio do comércio e da medicina e expressos na literatura, na obra de
Fernando ou Isaac Cardoso, no século XVII, intitulada As Excelências dos Judeus. A alteridade afirmava-se como um
direito, quando a intolerância religiosa procurava reprimi-la.
A
economia
A
centúria de Quatrocentos apresentou-se economicamente marcada pelas descobertas
portuguesas, que dariam a Portugal a oportunidade de, entre 1450-1550,
se afirmar como um reino rico. Os judeus portugueses não ignoraram esta
realidade, revelando-se, em concorrência com os mercadores cristãos, como os capitalistas
por excelência, em sociedades mistas de judeus e cristãos. A agricultura que
continuaram a praticar era uma actividade secundária para a maioria deles, que se
afirmavam mais como mercadores e almocreves ou artesãos do que propriamente
como grandes lavradores. Estes, na sua generalidade, eram proprietários
absentistas, como os Negro ou os Abravanel, mercadores/banqueiros de Lisboa e
cortesãos. A base da fortuna das gentes da minoria judaica era a riqueza móvel,
o dinheiro que tantos protestos provocara nas cortes porque provinha de um
trato ilícito, a usura, que conduzia os cristãos, agricultores, à miséria e enriquecia
o credor judaico. A movimentação do capital, através dos investimentos
diversos, como os empréstimos a juros ou os arrendamentos dos direitos reais, fora
uma realidade no século XIV e permanecia uma constante na centúria seguinte,
mau grado a animadversão cristã». In História de Portugal, João Medina, volume
VII, Judeus, Inquisição e Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A
Questão Judaica, SAPE, Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN
972-719-275-0.
Cortesia
de Ediclube/JDACT