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e cortesia de wikipedia
«(…)
O guarda imobilizou-se diante de um
nicho escavado na parede da cerca. Existia ali uma estatueta de Maet, a patrona
da aldeia. Tendo sobre a cabeça a retriz, a pena que permite às aves
orientarem-se, a frágil deusa encarnava o ideal da confraria, a sua aspiração à
harmonia e à rectidão, elementos indispensáveis da criação artística. Não se
dizia que cumprir Maet era fazer o que Deus ama? Sobek respirava mal. O ar
quente tornava-se cada vez mais opressivo, o perigo aproximava-se. Para tentar
acalmar-se, contemplou a colina do Ocidente, ponto culminante da montanha
tebana em forma de pirâmide. Segundo a lenda, tinham sido os primeiros
talhadores de pedra da confraria que assim tinham modelado a rocha para fazer
eco, no Sul, às pirâmides do Norte. Como todos, o guarda sabia que a colina
sagrada abrigava uma terrível serpente fêmea, A que ama o silêncio, e
que uma barreira cada vez mais difícil de franquear impedia os profanos de
perturbar a sua serenidade. Os faraós tinham colocado as respectivas Moradas de
Eternidade sob a sua protecção e a ela tinham os aldeões confiado as suas
esperanças. A colina, com quatrocentos e cinquenta metros de altitude, ficava
situada no eixo dos templos construídos pelos faraós para fazerem brilhar o
ka, a energia inesgotável espalhada
no universo; dispostos em leque em seu redor, prestavam-lhe uma homenagem permanente.
Sobek gostava de a contemplar ao pôr do Sol, quando a penumbra cobria o
deserto, os campos cultivados e o Nilo; apenas o cume permanecia iluminado,
como se a noite não tivesse qualquer domínio sobre ele. Um vigia agitou os
braços, outro gritou.
Sobek correu imediatamente em direcção ao
primeiro fortim onde a barafunda atingia o auge; os guardas rodeavam uma dezena
de condutores de burro, dominados pelo pânico, que protegiam a cabeça com as
mãos para evitar as pancadas dos bastões, enquanto os animais se espalhavam em
todas as direcções. Parem, ordenou Sobek, são auxiliares! Tomando consciência
do seu erro, os guardas pararam de bater. Tivemos medo, chefe, desculpou-se um
deles. Julgámos que queriam forçar a barragem. Como todos os dias, os
auxiliares traziam água, peixe, legumes frescos, óleo e outros produtos de que
os aldeões tinham necessidade. Os mais corajosos recuperaram os burros, os
outros gemiam ou protestavam. O chefe Sobek teria de redigir um enorme relatório
para explicar o incidente
e justificar o comportamento dos seus subordinados.
Tratem dos feridos, ordenou, e mandem
descarregar os burros. Quando o cortejo chegou à vista da porta principal da
aldeia, esta entreabriu-se para deixar sair as esposas dos artesãos.
Simultaneamente sacerdotisas de Hathor e donas de casa, recolheram os alimentos
em silêncio. Antes da morte de Ramsés o Grande, aquele momento era ocasião para
discutirem, se apostrofarem, rirem por qualquer coisa e altercarem, pelo menos
aparentemente, para conseguirem a melhor carne, os melhores frutos ou o melhor
queijo. Desde o desaparecimento do grande monarca, até mesmo as crianças
permaneciam mudas e as mães não tinham vontade de brincar com elas.
Acocoravam-se para executar o trabalho quotidiano por excelência, o amassar da
pasta que serviria para fazer o pão e a cerveja. Quanto tempo ainda poderiam
executar esses gestos simples, prelúdio da felicidade de uma refeição tomada em
família? Um jovem guarda correu na direção de Sobek. Chefe, chefe! Há outros a
chegarem! Mais auxiliares? Não... Soldados com arcos e lanças!
Mehi, tesoureiro-principal de Tebas,
andava de um lado para o outro na sala de recepções da sua sumptuosa mansão.
Financeiro ímpar e grande manipulador de números, o senhor oculto da região era
também o comandante muito apreciado das forças armadas, que beneficiavam das
suas benesses. O rosto redondo, os cabelos muito negros colados ao crânio, os
olhos de um castanho-escuro, os lábios grossos, as mãos e os pés gorduchos, o
torso largo e poderoso, seguro de si e da sua capacidade de sedução, Mehi
estava obcecado por um objectivo aparentemente inacessível: apoderar-se dos
imensos tesouros do Lugar de Verdade. Sabia que os artesãos produziam incríveis
riquezas na Morada do Ouro e vira a Pedra de Luz que lhes servia para se
iluminarem quando penetravam nas trevas de um túmulo do Vale dos Reis. Para
fugir sem ser identificado, Mehi desembaraçara-se de um guarda. A carta anónima
enviada a Sobek a fim de acusar de assassínio Néfer o Silencioso não produzira
infelizmente os efeitos desejados, visto que a intervenção da misteriosa Mulher
Sábia do Lugar de Verdade e o inquérito do tribunal tinham ilibado o artesão. Mas
o comandante permanecia inatacável e a sua ascensão continuara, à custa do
desaparecimento do sogro, que organizara eficientemente, e da cumplicidade da
sua deliciosa esposa, Serketa, tão encantadora como um escorpião, mas ambiciosa,
ávida e impiedosa como ele». In Christian
Jacq, A Pedra da Luz, A Mulher Sábia, 1995(?), Bertrand Brasil, ISBN
978-852-860-772-7.
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