terça-feira, 30 de outubro de 2018

A Pedra da Luz. A Mulher Sábia. Christian Jacq. «Um jovem guarda correu na direção de Sobek. Chefe, chefe! Há outros a chegarem! Mais auxiliares? Não... Soldados com arcos e lanças!»

jdact e cortesia de wikipedia

«(…) O guarda imobilizou-se diante de um nicho escavado na parede da cerca. Existia ali uma estatueta de Maet, a patrona da aldeia. Tendo sobre a cabeça a retriz, a pena que permite às aves orientarem-se, a frágil deusa encarnava o ideal da confraria, a sua aspiração à harmonia e à rectidão, elementos indispensáveis da criação artística. Não se dizia que cumprir Maet era fazer o que Deus ama? Sobek respirava mal. O ar quente tornava-se cada vez mais opressivo, o perigo aproximava-se. Para tentar acalmar-se, contemplou a colina do Ocidente, ponto culminante da montanha tebana em forma de pirâmide. Segundo a lenda, tinham sido os primeiros talhadores de pedra da confraria que assim tinham modelado a rocha para fazer eco, no Sul, às pirâmides do Norte. Como todos, o guarda sabia que a colina sagrada abrigava uma terrível serpente fêmea, A que ama o silêncio, e que uma barreira cada vez mais difícil de franquear impedia os profanos de perturbar a sua serenidade. Os faraós tinham colocado as respectivas Moradas de Eternidade sob a sua protecção e a ela tinham os aldeões confiado as suas esperanças. A colina, com quatrocentos e cinquenta metros de altitude, ficava situada no eixo dos templos construídos pelos faraós para fazerem brilhar o ka, a energia inesgotável espalhada no universo; dispostos em leque em seu redor, prestavam-lhe uma homenagem permanente. Sobek gostava de a contemplar ao pôr do Sol, quando a penumbra cobria o deserto, os campos cultivados e o Nilo; apenas o cume permanecia iluminado, como se a noite não tivesse qualquer domínio sobre ele. Um vigia agitou os braços, outro gritou.
Sobek correu imediatamente em direcção ao primeiro fortim onde a barafunda atingia o auge; os guardas rodeavam uma dezena de condutores de burro, dominados pelo pânico, que protegiam a cabeça com as mãos para evitar as pancadas dos bastões, enquanto os animais se espalhavam em todas as direcções. Parem, ordenou Sobek, são auxiliares! Tomando consciência do seu erro, os guardas pararam de bater. Tivemos medo, chefe, desculpou-se um deles. Julgámos que queriam forçar a barragem. Como todos os dias, os auxiliares traziam água, peixe, legumes frescos, óleo e outros produtos de que os aldeões tinham necessidade. Os mais corajosos recuperaram os burros, os outros gemiam ou protestavam. O chefe Sobek teria de redigir um enorme relatório para explicar o incidente e justificar o comportamento dos seus subordinados.
Tratem dos feridos, ordenou, e mandem descarregar os burros. Quando o cortejo chegou à vista da porta principal da aldeia, esta entreabriu-se para deixar sair as esposas dos artesãos. Simultaneamente sacerdotisas de Hathor e donas de casa, recolheram os alimentos em silêncio. Antes da morte de Ramsés o Grande, aquele momento era ocasião para discutirem, se apostrofarem, rirem por qualquer coisa e altercarem, pelo menos aparentemente, para conseguirem a melhor carne, os melhores frutos ou o melhor queijo. Desde o desaparecimento do grande monarca, até mesmo as crianças permaneciam mudas e as mães não tinham vontade de brincar com elas. Acocoravam-se para executar o trabalho quotidiano por excelência, o amassar da pasta que serviria para fazer o pão e a cerveja. Quanto tempo ainda poderiam executar esses gestos simples, prelúdio da felicidade de uma refeição tomada em família? Um jovem guarda correu na direção de Sobek. Chefe, chefe! Há outros a chegarem! Mais auxiliares? Não... Soldados com arcos e lanças!

Mehi, tesoureiro-principal de Tebas, andava de um lado para o outro na sala de recepções da sua sumptuosa mansão. Financeiro ímpar e grande manipulador de números, o senhor oculto da região era também o comandante muito apreciado das forças armadas, que beneficiavam das suas benesses. O rosto redondo, os cabelos muito negros colados ao crânio, os olhos de um castanho-escuro, os lábios grossos, as mãos e os pés gorduchos, o torso largo e poderoso, seguro de si e da sua capacidade de sedução, Mehi estava obcecado por um objectivo aparentemente inacessível: apoderar-se dos imensos tesouros do Lugar de Verdade. Sabia que os artesãos produziam incríveis riquezas na Morada do Ouro e vira a Pedra de Luz que lhes servia para se iluminarem quando penetravam nas trevas de um túmulo do Vale dos Reis. Para fugir sem ser identificado, Mehi desembaraçara-se de um guarda. A carta anónima enviada a Sobek a fim de acusar de assassínio Néfer o Silencioso não produzira infelizmente os efeitos desejados, visto que a intervenção da misteriosa Mulher Sábia do Lugar de Verdade e o inquérito do tribunal tinham ilibado o artesão. Mas o comandante permanecia inatacável e a sua ascensão continuara, à custa do desaparecimento do sogro, que organizara eficientemente, e da cumplicidade da sua deliciosa esposa, Serketa, tão encantadora como um escorpião, mas ambiciosa, ávida e impiedosa como ele». In Christian Jacq, A Pedra da Luz, A Mulher Sábia, 1995(?), Bertrand Brasil, ISBN 978-852-860-772-7.
                                                                                      

Cortesia deBertrandB/JDACT