«(…) No século XV, os corsários
faziam uso destas e doutras práticas. Nos portos movimentados era importante
ter quem espiasse o movimento, se inteirasse das chegadas e partidas dos
navios, qual a carga que embarcavam e para onde se dirigiam, e que lhes fizesse
chegar rapidamente esses elementos antes que houvesse tempo de os agentes
portuários reagirem. Em 1443 a cidade do Porto conheceu uma situação deste
género. Na sessão camarária de 8 de Julho, perante grram parte domeens boons
E mercadores foi decidido que por quanto lhes era dito que allgumas
naaos degaliza E doutras partes andauom darmada E tragiam aquj em esta cydade
allgumas emcullquas della que lhe leuauom nouas das naaos que aquj caregauom E
acordarom que screuesem ao Senhor Regente e ao Senhor duque a maneira que
acerca desto terriam que mandasem llogo la senhos homeens a cada parte e mandarom
seis. Referimos o envio de correios por terra. Ora, foi por intermédio de
um destes correios que à cidade chegou a notícia do apresamento de algumas
embarcações no ano de 1448. Na sessão de 20 de Novembro desse ano foy liuda
burna carta que os estantes em bruJes em uiaraom aa dicta Çidade de como çerteficauam as naaos pinta E a naao de
prado serem tomadas dos Ingresses e mortos çertos homeens e outros mujto
feridos a qual carta foy tragida per huum
troteiro que eles enuiarom por terra.
Do mesmo modo, no ano fiscal de
1450-1451 regista-se nos Livros do
Cofre da cidade o seguinte pagamento: deu a Joao Martinz çapateiro
por hir a Viana e a Bayona por rezam dos franceses, cento e cinquoenta reaes.
Vejamos alguns casos de assaltos contra navios do Porto durante o século XV.
Nos anos 20 dessa centúria, há notícias de problemas marítimos com biscainhos.
Zona percorrida intensamente pelos navios em trânsito para o Norte da Europa, a
costa da Biscaia era palco de inúmeros confrontos navais. Os navios portugueses
eram frequentemente importunados pela sua pirataria. Numa carta de 11 de Junho
de 1428, Rafael Fogaça, representante do rei em Bruges, comunicava a Afonso
Eanes, estante em Génova o seguinte: Jtem, amjgo, façouos saber que os
bizcaynhos nom nos querem ahinda lleixar en paz; que, ujndo hua naao do Porto,
nosa, de Joham Afonso dArrifana, carregada de uinhos e auer de pesso, que
partira de Lixboa pera en Frandes, foy tomada delles e lleuada a Rochella e aly
uenderom os bizcaynhos toda a mercadaria. Por motivos óbvios relacionados
com a impossibilidade de beneficiar delas, os assaltantes não se interessaram
pelas letras de câmbio do rei português que um seu agente, Çerrabodes, levava
consigo no navio.
Neste caso, trata-se da nau de um
conhecido homem de negócios do Porto, ao serviço
do
rei, em trânsito de Lisboa para a Flandres. Note-se igualmente o envolvimento
no comércio de vinhos para compensar compras nessa região e, por fim, da parte
dos agressores, a utilização de um porto aberto (La Rochelle) onde
transaccionavam livremente as suas presas. Os estuários, baías, enseadas e
pequenas ilhas (sobretudo nas Rias
Bajas) proporcionavam
abrigos fáceis e boas possibilidades de fuga aos corsários que actuavam na
costa galega. Entre eles tornou-se célebre e temido o salteador Gonçalo Correia,
possivelmente galego, autor de numerosos ataques a embarcações durante a década
de 30 desse mesmo século. O Porto conheceu-o e deu-lhe combate. No dia 17 de
Dezembro de 1431 chegavam à cidade notícias alarmantes, dando conta de que as
naaos e navios que veem de Frandes e de Ingraterra com o retorno do aver de
peso jazem em Galiza em grande perigoo dos inimigos cossairos
principalmente de Gonçalo Correa que esta
acerca dellas com grande poderio de
naaos
e de gentes».
In
Amândio M. Barros, O Porto contra os Corsários, bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Revista da Faculdade de Letras, História, Porto, III Serie, 2000».
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