quarta-feira, 31 de outubro de 2018

No 31.O Juiz do Egipto. A Justiça do Vizir. Christian Jacq. «Uma personagem seca, de sobrancelhas negras e espessas unidas sobre o nariz, lábios finos, mãos intermináveis e pernas finas, aproximou-se da capela»

jdact e cortesia de wikipedia

«(…) Geralmente, as hienas varriam o deserto devorando os cadáveres que encontravam e não se aproximavam das povoações. Contrariamente aos seus hábitos, uma dúzia de animais selvagens tinha-se aventurado nos subúrbios de Mênfis, matando um ex-escrivão, Larrot, um bêbado que os seus vizinhos detestavam. Armados de bastões, os habitantes do bairro tinham posto os predadores em fuga, mas todos interpretavam a tragédia como um mau presságio para o futuro de Ramsés cuja autoridade, até ao momento, ninguém havia contestado. No porto de Mênfis, nos arsenais, nas docas, nas casernas, nos bairros de Sicómoro, do Muro do crocodilo, da Escola Médica, nos mercados, nas barracas dos artesãos, corriam de boca em boca as mesmas palavras: o ano das hienas! O país ficaria enfraquecido, a cheia seria má, a terra estéril, os pomares definhariam, faltariam as frutas, os legumes, o vestuário e os unguentos, os Beduínos atacariam as explorações do delta, o trono do Faraó vacilaria. O ano das hienas, a ruptura da harmonia, a fenda na qual se precipitariam as forças do mal!
Murmurava-se que Ramsés, o Grande, mostrara-se impotente para impedir esta catástrofe. É certo que dentro de nove meses teria lugar a festa da regeneração, a qual restituiria ao monarca o poder necessário para enfrentar e vencer a adversidade. Mas não chegaria essa celebração muito tarde? Paser, o novo vizir, era jovem e inexperiente. O facto de ter entrado em funções no ano das hienas conduzi-lo-ia ao fracasso. Se o rei já não protegia o seu povo, todos eles pereceriam na goela voraz das trevas.
Nesse fim do mês de Janeiro, um vento glacial varria a necrópole de Sakkarah, dominada pela pirâmide em degraus do faraó Djeser, gigantesca escadaria em direcção aos céus. Ninguém teria reconhecido o casal confortavelmente vestido que se recolhia na capela do túmulo do sábio Branir, protegidos por uma túnica grossa, feita de tiras de pano cosidas e de mangas compridas, Paser e Néféret liam em silêncio os hieróglifos gravados numa bela pedra calcária: criaturas que viveis na terra e passais perto deste sepulcro, que amais a vida e odiais a morte, pronunciai o meu nome para que eu viva, proferi em meu benefício a fórmula da oferenda. Branir, mestre espiritual de Paser e Néféret, fora assassinado. Quem teria sido capaz da crueldade de lhe espetar uma agulha de madrepérola na nuca, impedi-lo de se tornar sumo-sacerdote de Carnaque e fazer recair a culpa da sua morte no seu discípulo Paser? Ainda que o inquérito não conhecesse qualquer progresso, o casal jurara descobrir a verdade, quaisquer que fossem os riscos envolvidos.
Uma personagem seca, de sobrancelhas negras e espessas unidas sobre o nariz, lábios finos, mãos intermináveis e pernas finas, aproximou-se da capela. Mumificador de profissão, Djuí passava a maior parte do seu tempo a preparar os cadáveres, para os transformar em Osíris. Desejas ver o local do teu túmulo?, perguntou ele a Paser. Vai tu à frente. Esbelto, de cabelos castanhos, fronte larga e alta e olhos verdes acastanhados, o vizir Paser recebera de Ramsés a grande missão de salvar o Egito de uma conspiração que ameaçava o trono. Juiz de província principiante transferido para Mênfis, o jovem Paser, cujo nome significava o vidente, aquele que discerne o longínquo, recusara-se a dar seguimento a uma irregularidade administrativa, trazendo à luz do dia um drama abominável cuja chave lhe fora oferecida pelo rei em pessoa. Os conspiradores haviam eliminado a guarda de honra da esfinge de Gize para ter acesso a um corredor que tinha o seu início entre as patas da gigantesca estátua e conduzia ao interior da grande pirâmide, centro energético e espiritual do país. Tinham violado o sarcófago de Queóps e roubado o testamento dos deuses que legitimava o poder do Faraó. Se este último não fosse exibido aos sacerdotes, à corte e ao povo aquando da festa da regeneração, fixada para o próximo dia vinte de Julho, primeiro dia do novo ano, ele ver-se-ia obrigado a abdicar e a entregar o leme da embarcação do Estado a um ser das trevas». In Christian Jacq, O Juiz do Egipto, A Justiça do Vizir, Bertrand Editora, 1995, ISBN 978-872-250-890-2.

Cortesia de BertrandE/JDACT