segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Portugal. A Primeira Nação. Freddy Silva. «… a sua extrema gentileza a sua moderação, a sua justiça e a sua castidade eram grandes; brilhava como uma luz entre os monges, ainda mais do que como um duque entre os cavaleiros»

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1096. Agosto. Constantinopla. Capital do Sacro Império Romano…
«(…) Era um milagre, e o imperador Comneno esfregou as mãos de contente ao vê-lo: uma vasta coluna de gente que se aproximava da cidade. Chegara finalmente a recompensa pelos seus esforços de arrancar ao papa um novo exército que restauraria decerto o seu poder esmaecido sobre um império em declínio. Mas esta visão sublime de uma poderosa e brilhante força de combate dissipou-se à medida que um após outro dos milhares de camponeses sujos, insalubres e famintos se encostava ao portão da cidade, esperando hospitalidade do sacro imperador romano. Não era um exército de cavaleiros, mas de maltrapilhos.
O problema de ter uma grande massa de fanáticos medievais desorganizados a marchar de aldeia em aldeia com pouco mais do que uma visão de esperança e a caridade dos aldeões locais é que nenhuma liderança pode prover devidamente às suas necessidades físicas, e quando a Cruzada do Povo atravessara a Hungria, não estava apenas a aceitar caridade, mas a devorá-la. Muitos recorriam ao furto às de início hospitaleiras populações cristãs, virando-se de vez em quando para o roubo de esposas locais, violando mulheres, queimando celeiros e basicamente lançando-se ao saque, algum dele a mando de um dos líderes, o conde Emerico, que tomou ele mesmo parte no saque e instigou os seus camaradas ao crime.
Mataram quatro mil só na Hungria e pegaram fogo à cidade sérvia de Belgrado. Mas não antes de a saquearem. Comneno nada via além de ter de providenciar sustento a um bando de pobres, vagabundos e oportunistas. Os portões da cidade mantiveram-se firmemente fechados e a Cruzada do Povo desenrascou-se montando tendas do lado de fora das muralhas intransponíveis. Seguiram-se semanas de ócio e, de narizes encostados à janela de riquezas dentro de Constantinopla, os peregrinos dedicaram-se a pilhar casas nos arredores da capital. Apesar dos melhores esforços  de Pedro, o Eremita, e Gualtério Sem-Haveres para darem exemplos de decoro, o banditismo substituiu a disciplina: não os continha a decência das pessoas da província, nem os apaziguava a afabilidade do imperador, mas comportavam-se muito insolentemente, destruindo palácios, queimando edifícios públicos, arrancando os telhados de igrejas que estavam cobertas de chumbo e depois oferecendo-se para vender de novo o chumbo aos gregos.
Um Comneno furioso tomou eventualmente a decisão sensata de reunir provisões e libertar a sua capital deste enxame, chegando a fornecer barcos à Cruzada do Povo para os levar pelo apertado estreito do Bósforo até à Anatólia, para fora das suas fronteiras.

1096. Agosto. Com o exército do Norte, preparando-se para partir…
A Festa da Assunção não tardou a chegar para os milhares de cavaleiros persuadidos pela consciência ou pela retórica de Urbano II a postar-se nos campos da Lorena e da Flandres, ajustando o equipamento e aguardando a ordem que impulsionaria
uma vasta coluna de combatentes em direcção à Terra Santa. O brilhante sol de Agosto voejando-lhes nas cotas de malha era um bom presságio.
Pelo caminho, deveriam encontrar-se com mais três exércitos de homens igualmente inspirados que marchavam de localizações distintas por toda a Europa, fundindo-se em Constantinopla para formar uma unidade de combate de quatro mil cavaleiros e trinta mil soldados de infantaria. Ao contrário da Cruzada do Povo, este ramo nortenho do exército cruzado era liderado por nobres flamengos que impunham a disciplina, três irmãos de linhagem merovíngia, filhos de Eustácio II, conde de Bolonha. O mais novo, Balduíno de Bolonha, era estudante das artes liberais; depois, havia Eustácio III, que herdara o título de conde de Bolonha após a morte do pai; e, finalmente, alto, louro, barbudo e devoto, um cavaleiro exemplar chamado Godofredo Bulhão.
Um cronista das cruzadas chamado Raúl Caen descreveu Godofredo deste modo: o brilho da nobreza era aumentado, neste caso, pelo esplendor das virtudes mais elevadas, tanto nos assuntos do mundo como nos do céu. Quanto a estes, distinguiu-se pela generosidade para com os pobres e a piedade para os que haviam cometido faltas. Além disso, a sua humildade, a sua extrema gentileza a sua moderação, a sua justiça e a sua castidade eram grandes; brilhava como uma luz entre os monges, ainda mais do que como um duque entre os cavaleiros». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de AlmadosLivros/JDACT