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1096.
Agosto. Com o exército do Norte, preparando-se para partir…
«(…) Ainda bem, porque, sendo o
segundo de três irmãos, Godofredo ia herdar pouco. Portanto, foram-lhe dadas
menos vantagens na vida. Isso até o seu tio Godofredo, o Corcunda (filho
de Godofredo, o Barbudo), morrer sem um herdeiro e legar o senhorio de
Bulhão ao seu jovem e iluminado sobrinho. À medida que percorriam os reinos da
Europa Central, os exércitos de cruzados encontravam uma população intimidada,
mas mais precavida devido ao comportamento saqueador dos seus precursores, a
Cruzada do Povo. Além de algumas escaramuças com os gregos e um incidente na
Hungria, no qual Balduíno se ofereceu para ficar como refém do rei para
garantir a conduta adequada dos exércitos ao longo do seu território, as coisas
em geral correram bem.
Em Novembro de 1096, Godofredo
Bulhão e os seus cavaleiros e soldados de infantaria estavam próximo de
Constantinopla quando ficaram sob o assédio esporádico de tropas que mais tarde
se revelou terem sido enviadas pelo imperador Comneno. Talvez após a sua experiência
com a Cruzada do Povo o imperador tivesse ficado desconfiado da ajuda que
Urbano II lhe mandava; além disso, a presença no exército que chegava do velho
inimigo do imperador, o príncipe Boemundo, pouco fez para aplacar a paranóia de
Comneno. Ainda assim, no espaço de quatro meses, todos os cruzados se reuniram nos
portões de Constantinopla. Exigiam sustento e esperavam esta simples cortesia
de Comneno.
Comneno fez promessas e
quebrou-as. Traíram-se progressos pela hostilidade, irritando ainda mais os soldados.
Depois, exigiu-lhes um juramento de obediência e fidelidade. Quando não obteve
nenhum, tentou subjugá-los pela fome enquanto dava grandes banquetes a cavaleiros
selecionados, um potencial candidato ao distúrbio de personalidade múltipla.
Mas o ano estava a acabar e o Inverno anunciava-se. Finalmente, os cruzados
fartaram-se e saquearam as zonas rurais.
Chegou o ano de 1097 e a Anatólia
ainda acenava aos cruzados do outro lado do estreito canal do Bósforo. O abismo
rochoso que separava a Europa do Oriente reflectia na perfeição o impasse entre
os cavaleiros e o seu neurótico anfitrião. Foi neste ponto que Godofredo Bulhão
deve ter detectado uma segunda intenção na insistência do papa numa cruzada. No
que a este cavaleiro dizia respeito, a sua intenção era marchar para Jerusalém,
libertar a Igrela do Santo Sepulcro e restabelecer o acordo entre cristãos e árabes,
mesmo que isso significasse um acordo frágil. Era um plano claro, mas Comneno
só apresentava obstáculos, de facto, exigia agora um voto de obediência dos
nobres no comando dos exércitos. Para todos os efeitos, a cruzada parecia um
acordo oportunista entre o papa e o sacro imperador romano para recrutar
soldados e livrar dos turcos as terras do imperador.
Para Godofredo, a realidade da
situação era que dezenas de milhares de homens precisavam de ser transportados
para o outro lado do Bósforo. Podiam construir os seus navios para o curto
salto, mas isso levaria meses. Comneno sabia isso; também era o dono de todos os
navios em Constantinopla. A única forma de avançar era através da diplomacia e
do compromisso; assim, Godofredo e os nobres reuniram-se com o imperador, após
o que o sempre calculista Comneno propôs um juramento modificado. Em troca do
transporte de tropas para território turco, os líderes do exército concordavam em
auxiliá-lo, marchando sobre a cidade de Niceia, atacando os turcos na sua fortaleza
e libertando a cidade em nome da cristandade. Godofredo concordou, relutante;
Raimundo, outro líder do exército, disse educadamente a Comneno que a sua
proposta era indecente, mas fez a promessa de não o atacar». In
Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros,
2018, ISBN 978-989-890-700-4.
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