segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Portugal. A Primeira Nação. Freddy Silva. «Para Godofredo, a realidade da situação era que dezenas de milhares de homens precisavam de ser transportados para o outro lado do Bósforo»

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1096. Agosto. Com o exército do Norte, preparando-se para partir…
«(…) Ainda bem, porque, sendo o segundo de três irmãos, Godofredo ia herdar pouco. Portanto, foram-lhe dadas menos vantagens na vida. Isso até o seu tio Godofredo, o Corcunda (filho de Godofredo, o Barbudo), morrer sem um herdeiro e legar o senhorio de Bulhão ao seu jovem e iluminado sobrinho. À medida que percorriam os reinos da Europa Central, os exércitos de cruzados encontravam uma população intimidada, mas mais precavida devido ao comportamento saqueador dos seus precursores, a Cruzada do Povo. Além de algumas escaramuças com os gregos e um incidente na Hungria, no qual Balduíno se ofereceu para ficar como refém do rei para garantir a conduta adequada dos exércitos ao longo do seu território, as coisas em geral correram bem.
Em Novembro de 1096, Godofredo Bulhão e os seus cavaleiros e soldados de infantaria estavam próximo de Constantinopla quando ficaram sob o assédio esporádico de tropas que mais tarde se revelou terem sido enviadas pelo imperador Comneno. Talvez após a sua experiência com a Cruzada do Povo o imperador tivesse ficado desconfiado da ajuda que Urbano II lhe mandava; além disso, a presença no exército que chegava do velho inimigo do imperador, o príncipe Boemundo, pouco fez para aplacar a paranóia de Comneno. Ainda assim, no espaço de quatro meses, todos os cruzados se reuniram nos portões de Constantinopla. Exigiam sustento e esperavam esta simples cortesia de Comneno.
Comneno fez promessas e quebrou-as. Traíram-se progressos pela hostilidade, irritando ainda mais os soldados. Depois, exigiu-lhes um juramento de obediência e fidelidade. Quando não obteve nenhum, tentou subjugá-los pela fome enquanto dava grandes banquetes a cavaleiros selecionados, um potencial candidato ao distúrbio de personalidade múltipla. Mas o ano estava a acabar e o Inverno anunciava-se. Finalmente, os cruzados fartaram-se e saquearam as zonas rurais.
Chegou o ano de 1097 e a Anatólia ainda acenava aos cruzados do outro lado do estreito canal do Bósforo. O abismo rochoso que separava a Europa do Oriente reflectia na perfeição o impasse entre os cavaleiros e o seu neurótico anfitrião. Foi neste ponto que Godofredo Bulhão deve ter detectado uma segunda intenção na insistência do papa numa cruzada. No que a este cavaleiro dizia respeito, a sua intenção era marchar para Jerusalém, libertar a Igrela do Santo Sepulcro e restabelecer o acordo entre cristãos e árabes, mesmo que isso significasse um acordo frágil. Era um plano claro, mas Comneno só apresentava obstáculos, de facto, exigia agora um voto de obediência dos nobres no comando dos exércitos. Para todos os efeitos, a cruzada parecia um acordo oportunista entre o papa e o sacro imperador romano para recrutar soldados e livrar dos turcos as terras do imperador.
Para Godofredo, a realidade da situação era que dezenas de milhares de homens precisavam de ser transportados para o outro lado do Bósforo. Podiam construir os seus navios para o curto salto, mas isso levaria meses. Comneno sabia isso; também era o dono de todos os navios em Constantinopla. A única forma de avançar era através da diplomacia e do compromisso; assim, Godofredo e os nobres reuniram-se com o imperador, após o que o sempre calculista Comneno propôs um juramento modificado. Em troca do transporte de tropas para território turco, os líderes do exército concordavam em auxiliá-lo, marchando sobre a cidade de Niceia, atacando os turcos na sua fortaleza e libertando a cidade em nome da cristandade. Godofredo concordou, relutante; Raimundo, outro líder do exército, disse educadamente a Comneno que a sua proposta era indecente, mas fez a promessa de não o atacar». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de AlmadosLivros/JDACT