segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O Último Segredo do Templo. Paul Sussman. «O sacerdote manteve o seu olhar por mais um momento, depois endireitou-se, virando-se para a menorá; ao olhar fixamente para a luz bruxuleante, os seus olhos se fecharam gradualmente»

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Templo de Jerusalém. Agosto, ano 70 d.C.
«(…) Então olhou o garoto com atenção e, tomando-lhe a mão, conduziu-o adiante, para o final da sala, onde se detiveram em frente da menorá de ouro, observando os seus braços flexionados e as hastes meticulosamente decoradas, toda ela forjada com um único bloco de ouro puro, feita sob as instruções do próprio Todo-Poderoso. O garoto observava atentamente as bruxuleantes lamparinas, os seus olhos brilhando como água reflectindo a luz do sol, completamente admirado. Belíssimo, não é?, disse o ancião, observando o aspecto maravilhado do rosto do garoto e colocando a mão sobre o seu ombro. Nenhum objecto na Terra é mais sagrado para nós, nada é mais precioso para o nosso povo, pois a luz da sagrada menorá é a luz do próprio Senhor Deus. Ainda que isso venha algum dia a se perder para nós... Ele suspirou e ergueu a mão, tocando o peitoral sagrado, o Efode. Eleazar é um bom homem, acrescentou, como se fosse uma reflexão tardia. É um segundo Bezalel.
Por um longo período eles permaneceram em silêncio, contemplando o magnífico candelabro, o seu esplendor os rodeava e envolvia. Então, acenando com a cabeça, o sumo sacerdote voltou-se para que pudesse olhar directamente para o garoto. Hoje o Senhor decretou que o seu templo sagrado iria ruir, disse ele com calma, como o fez antigamente, neste mesmo dia, Tish B'Av, há mais de seiscentos anos, quando a Casa de Salomão foi entregue aos babilónios. As pedras sagradas serão reduzidas a pó, as vigas do telhado, fendidas, e o nosso povo será levado ao exílio e espalhado aos quatro ventos. O ancião inclinou-e um pouco, olhando fixamente os olhos do garoto. Temos uma esperança, David, uma única esperança. Um segredo, um grande segredo, conhecido por apenas alguns de nós. Agora, neste derradeiro momento, também precisa conhecê-lo. Ele se inclinou para o garoto, dizendo em voz baixa e rapidamente, como se temesse que alguém pudesse ouvi-los, mesmo estando ali sozinhos. Os olhos do garoto mostravam todo o seu espanto enquanto o ouvia, o seu olhar atento movendo-se do chão para a menorá e de volta para o chão, e seus ombros tremiam. Quando o sacerdote terminou, endireitou-se e deu um passo para trás.
Veja, disse, com um sorriso tímido nos seus lábios pálidos, mesmo na derrota ainda haverá vitória. Mesmo nas trevas haverá luz. O garoto permaneceu em silêncio; a face expressava a sua confusão, tomado de perplexidade e incredulidade. O sacerdote se aproximou e tocou no seu cabelo. Ele já saiu da cidade certa vez, indo muito além da paliçada romana. Agora deverá novamente deixar toda esta terra, já que a nossa ruína está próxima, e a sua segurança não poderá ser mantida por muito tempo. Tudo já foi organizado. Resta somente uma coisa: nomear o guardião, aquele que será o responsável pelo transporte até ao seu destino final e, lá chegando, irá esperar a vinda de tempos melhores. David, filho de Judá, foi designado para esta tarefa, se aceitá-la. Aceita a tarefa?
O garoto sentia o seu olhar atento erguer-se em direcção ao do sacerdote, como que içado por cordas invisíveis. Os olhos do ancião eram acinzentados, mas com uma estranha e hipnótica translucidez, como nuvens passeando por um imenso céu azul. Ele sentia um peso dentro de si e também uma leveza, como se estivesse flutuando. O que deverei fazer?, perguntou, a sua voz como que um grasnido. O ancião o observava, olhos que percorriam todo o seu rosto, explorando cada detalhe como se fossem palavras num livro. Então, meneando a cabeça, vasculhou a sua veste e retirou um pequeno rolo de pergaminho, entregando-o ao garoto. Isto irá guiá-lo, afirmou. Proceda conforme o que está escrito nele, e tudo ficará bem. Ele tomou o rosto do garoto nas suas mãos. Agora é a nossa única esperança, David, filho de Judá. Por seu único intermédio a chama continuará viva. Não revele este segredo a mais ninguém. Guarde-o como a sua própria vida. Transmita-o aos seus filhos, e aos filhos dos seus filhos, e assim sucessivamente, até que chegue o momento de revelá-lo a todos. O garoto observava o sacerdote atentamente. Mas quando, mestre?, sussurrou. Quando saberei que é chegada a hora?
O sacerdote manteve o seu olhar por mais um momento, depois endireitou-se, virando-se para a menorá; ao olhar fixamente para a luz bruxuleante, os seus olhos se fecharam gradualmente, como se estivesse em estado de transe. O silêncio ao redor se intensificava; as pedras no seu peitoral pareciam queimar como se possuíssem uma chama interior. Três sinais irão guiá-lo, disse com suavidade, a voz repentinamente distante, como se estivesse falando de um lugar muito alto. Primeiro: o mais jovem dos doze virá e na sua mão haverá um falcão; segundo: um filho de Ismael e um filho de Isaac permanecerão juntos, como amigos, na Casa de Deus; terceiro: o leão e o pastor serão um, e ao redor do pescoço haverá uma lâmpada. Quando estas três coisas se realizarem, será chegada a hora. Logo adiante, o véu situado na entrada do Santo dos Santos parecia ondular-se levemente. E o garoto sentia uma suave e fresca brisa tocar-lhe a face. Vozes estranhas pareciam ecoar nos seus ouvidos, e a sua pele formigava; havia um curioso odor penetrante e bolorento, como o próprio Tempo, se o Tempo pudesse ser descrito como um odor. Isso durou apenas um instante, e então, inesperada e surpreendentemente, ouviram uma grande explosão, um estrondo do lado de fora, e o clamor de milhares de vozes se levantou em sinal de grande terror e desespero. Os olhos do sacerdote se arregalaram. É o fim, disse ele. Repita os sinais comigo!» In Paul Sussman, O Último Segredo do Templo, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-056-9.

Cortesia de BEditora/JDACT