«(…)
Diga-me..., o ferimento valeu a pena?, perguntou com exagerada prudência. Não. Ah...
Ela deu de ombros enquanto lhe desabotoava a camisa, mas nos seus olhos escuros
podia-se ver um lampejo de decepção. Que pena. Resignado, Michael olhou para o
corte irregular e inclinou-se para ajudá-la a soltar a camisa rasgada dos
ombros. O ferimento, de uns quinze centímetros de comprimento, não tinha bom
aspecto, embora supusesse que era todo aquele sangue que fazia com que a
aparência do mesmo parecesse pior. Eu me descuidei. Não esperava um ataque
naquele momento. Meu suposto informante já havia ido embora fazía um bom tempo.
Esta já é a segunda vez. E se o ataque não tinha nada a ver com o seu encontro?
Já disse que aquela região é perigosa, principalmente à noite. Antónia soltou a
camisa ensanguentada sobre a manta. Ele não me tentou roubar. Porque a sua reacção
o surpreendeu. Talvez ele pretendesse matar primeiro, para poder subtrair-lhe o
dinheiro sem problemas. Lá fora, no jardim, uma ave nocturna entoava um canto
suave e melodioso, em desacordo com a sombria conversa dentro da alcova. Não,
eu acredito que os dois acontecimentos estão relacionados, respondeu Michael. O
ataque da semana passada foi muito semelhante. Sem aviso prévio, à guisa de
emboscada. Eu devia ter previsto isso. A minha intuição costuma ser melhor do
que isso. Terei que ficar mais atento. Parecia-me que a coisa estava tranquila
demais, e eu perguntei se a nossa presa teria saído do país novamente. Agora já
não tenho a certeza. Que desgraça, ele escapou. Mais uma vez.
Quando
ela se inclinou à frente, para inspeccionar-lhe o ferimento e limpar o sangue,
o cabelo de ébano derramou-se sobre aqueles ombros perfeitos. Ela era de
ascendência espanhola, o que se notava pela pele morena e os rasgos chamativos;
as faces eram proeminentes e aristocráticas; nariz levemente afilado, e a boca,
generosa e de lábios grossos. As curvas exuberantes da sua figura tentariam um
santo. Deus sabia que Michael não se encaixava nessa categoria. O robe de Antónia
abriu-se um pouco e, mesmo ferido e sangrando, Michael ainda não estava morto,
e não conseguiu resistir a admirar aqueles seios redondos e túrgidos,
arrematados por escuros mamilos. Ela o excitava? Não; eles já haviam posto fim
àquela relação fazia anos. Não obstante, ele continuava sendo homem, e ela era
uma mulher muito atraente. Usufruiu do panorama sem se desculpar. Vai
sobreviver, sentenciou ela em tom cortante enquanto torcia o pano dentro de uma
bacia com água morna. Voltou a pressionar o pano sobre o ponto do ferimento
onde ainda brotava sangue. O corte é extenso, mas não muito profundo. Vou pedir
a Lawrence para que chame o médico. Não, obrigado. Ela, resmungou, irritada com
aquela negativa cortês, mas categórica. Sabia que se ia opor. Isso vai precisar
de sutura. Você já viu os meus bordados? Acredite em mim, eu iria deixar outra
interessante cicatriz.
Coloque
uma ligadura e pronto. Só faltava que corresse o rumor de que o marquês de
Longhaven fora apunhalado por um meliante. Chamar a atenção era perigoso.
Quanto menos pessoas soubessem, melhor. Antónia colocou as mãos na cintura. Miguel... Pare com isso, por favor.
Está muito tarde para discutir. Ela hesitou por um instante, depois negou com a
cabeça e ergueu os braços desesperada. Os seus olhos, tão escuros quanto noite
sem lua, revelavam rendição. Sei quando sou derrotada, em todo caso. Aprendi
com o tempo. Está bem. Como quiser, cabeça dura. Michael a viu entrar no quarto
de vestir. Dali a pouco saiu com uma camisola de fino linho. Com uma pequena
tesoura, começou a cortá-la em tiras. Em circunstâncias normais, ele teria
feito uma piada por receber ligaduras feitas com roupa íntima feminina, mas
naquele momento não estava com humor para risadas.
Como disse,
eu vou sobreviver. Eu já imaginava, mas isso pressupõe um grave problema para
mim. Sentado, deixava-se ser cuidado; ela cobriu o ferimento com um pedaço de
tecido enquanto ele olhava compungido para a lareira de mármore ao fundo do
quarto. Vou-me casar dentro de dois dias. Terei que inventar algo para me
justificar. Antónia olhou-o, com os lábios apertados. Depois pegou uma faixa
mais longa do fino tecido branco. Vai mesmo levar isso adiante? Custa-me a acreditar.
O quê, o meu casamento? Por quê? Faz meses que estamos formalmente
comprometidos. Isso não é próprio de si, Miguel. Eles já haviam tido aquela
conversa antes. Ele suspirou resignado. Embora não seja próprio de mim, sim,
vou levar isso adiante. Vai-se casar com
alguma menina insípida, recém-saída da escola só porque o seu pai assim o
quer?! Eu lhe agradeceria se não chamasse insípida à minha futura esposa. Talvez
fosse imaginação sua, mas lhe pareceu que, ao começar a pensar o ferimento, ela
apertou com mais força do que o necessário, então proferiu um grunhido de dor. Ela
vai matá-lo de tédio. Michael arqueou uma sobrancelha devagar». In Emma
Wildes, His Sinful Secret, 2010, Baror International, Random House Mondadori, Megustaleer,
2011, ISBN- 978-840-138-431-8.
Cortesia de Megustaleer/JDACT