sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «De tudo o que fica dito, parece-nos lógico afirmar que, tratando-se de uma instituição religiosa de cariz militar, forçoso seria que os cavaleiros saíssem do convento de Avis, ou das casas que a Ordem possuía»

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A mobilidade interna na Ordem de Avis (séc. XII-XIV)
«(…) Há notícias de outras visitas de freires de Calatrava ao convento português: por exemplo, Gomes (Mestre de Calatrava) está presente numa composição assinada entre o Mestre de Avis e o Comendador da Ordem de Santiago (Paio Peres Correia) em 1241. Contudo, apenas conhecemos duas deslocações de cavaleiros portugueses a um convento da Ordem de Calatrava em território castelhano, que podemos inserir no contexto mais vasto da jurisdição desta milícia sobre o seu ramo português. Passamos a referi-las.
Em Maio de 1346, João Rodrigues Gouveia (ex-comendador mor de Avis) e Rodrigo Aires (ex-celeireiro) apresentam ao mestre João Rodrigues, no capítulo de Calatrava, queixas sobre a actuação do mestre português, João Rodrigues Pimentel, eleito quatro anos antes, como acima afirmámos. Pedem, por essa razão, que como padre abad de la casa de Avis, a fosse visitar e correger. Na impossibilidade do próprio Mestre de Calatrava se deslocar ao convento português, comissiona o comendador-mor Pero Estevez para o fazer. De volta a Calatrava, este comendador dá contas em cabido da sua actuação. Acontece porém que João Rodrigues Gouveia, igualmente presente no capítulo calatravenho, disse que recibiera agravio en la dicha visitacion por una sentencia que dizia que diera don frey Johan (...) contra el en que lo judgara por rebelde e pusiera en el sentencia de escomunion presente el dicho comendador mayor. E o ex-comendador português justificava a sua ausência no capítulo do convento de Avis reunido aquando da visita dos comissários do Mestre de Calatrava, dizendo que recebera em Estremoz (onde se encontrava) uma carta de Pero Estevez, sugerindo-lhe que el non fuesse a la dicha visitacion ca el non poderia correger los agravios que le ficieram. Com este e outros argumentos, confirmados pelo próprio visitador, o Mestre de Calatrava dá ordem ao prior do seu convento para absolver o freire português da pena de excomunhão que lhe havia sido perpetrada aquando do capítulo de Avis.
O que nos importa reter de todo o processo, aqui apresentado de uma forma genérica e sem grandes pormenores, é a presença de freires portugueses na ordem castelhana. Se a segunda presença de João Rodrigues Gouveia se justifica pela defesa da sua atitude durante a visita, os motivos que estiveram subjacentes à primeira deslocação a Calatrava permanecem desconhecidos. É certo que havia, no seio da Ordem de Avis, alguma contestação ao mestre João Rodrigues Pimentel: assim o atesta um documento que relata parte do capítulo realizado em Avis na presença do visitador Pero Estevez, onde se procura resolver uma outra questão que opunha o comendador de Cabeço de Vide (Fernão Rodrigues) ao Mestre Rodrigues Pimentel. O desfecho de toda esta situação, reveladora de instabilidade interna na Ordem de Avis, permanece ainda desconhecido, mas sabemos que o Mestre continuou a exercer a sua dignidade e os freires descontentes deixam de ser referidos na documentação da milícia.
Apesar de se tratar de um único caso, não nos custa acreditar que outras vezes os freires portugueses tenham recorrido aos superiores castelhanos. Dado que não conhecemos, no arquivo da Ordem de Avis, qualquer acto que nos permita defender um recurso mais ou menos frequente à casa-mãe (Calatrava), a confirmação desta hipótese terá naturalmente de passar pelo confronto sistemático de todas as testemunhas que surgem na documentação de Calatrava com os freires de Avis de que temos conhecimento, já que só assim teremos provas concretas da sua presença da sua presença no convento castelhano.
De tudo o que fica dito, parece-nos lógico afirmar que, tratando-se de uma instituição religiosa de cariz militar, forçoso seria que os cavaleiros saíssem do convento de Avis, ou das casas que a Ordem possuía, quanto mais não fosse para auxiliar o rei no combate aos muçulmanos (inserido no contexto da Reconquista) ou na defesa da fronteira do reino (sobretudo após 1249, ano em que termina a Reconquista em território português). Permanece, no entanto, desconhecida a dimensão da mobilidade dos freires, até porque, em grande parte, ela é adivinhada. Foi, contudo, possível verificar que os comendadores se deslocavam com frequência tanto dentro da área que lhes estava confiada como quando se dirigiam ao convento de Avis. Também o faziam quando havia problemas na Ordem ou quando sentiam que eram lesados nos seus direitos, já que procuravam o rei, como aconteceu em 1311 e em 1346 ou o Mestre de Calatrava (também em 1346)». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT