quarta-feira, 17 de outubro de 2018

O Porto contra os Corsários. Amândio M. Barros. «… o mar era espaço inseguro, de grande conflitualidade, propício a predadores e aventureiros em busca de fortuna…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Mas não era só com eles que os mercadores contavam. A capacidade de atracção da cidade do Porto, constituída desde muito cedo como o centro de decisão económica mais relevante do Norte de Portugal, fazia do seu porto marítimo um lugar bastante frequentado pelos navios dos ancoradouros vizinhos particularmente nas épocas (sazonais) de maior movimentação de mercadorias, por exemplo na altura da chegada dos vinhos de Riba Douro (coincidente com a dos sumagres), com o regresso dos navios carregados de cereais das mais diversas proveniências, do açúcar da Madeira, de S. Tomé e, mais tarde, do Brasil. Era fácil para os homens de negócios da cidade encontrar navios para fretar, do Porto, de Gaia, de Matosinhos, de Leça, de Azurara ou Vila do Conde. Por poucos que fossem os navios do Porto integraram-se e participaram activamente nos grandes circuitos do comércio internacional ombreando, pelo menos em alguns momentos, com arqueações muito mais poderosas. A actividade transportadora realizava-se a diferentes níveis:

serviços a soldo dos mercadores a título individual, por vezes até detentores da totalidade ou de partes dos navios, no transporte de mercadorias adquiridas na zona envolvente da cidade (como o pescado, couros, vinhos, azeites, frutas, sumagres) ou a longa-distancia (têxteis, ferramentas, cereais, açúcar, produtos de luxo do Mediterraneo);
serviços de abastecimento (sobretudo de víveres) por conta da cidade;
serviços de transporte contratados por mercadores estrangeiros (em alguns casos, porventura, agentes estatais) como complemento das suas próprias embarcações, destaque-se a actuação de navios portuenses na grande rota que ligava a Flandres à Itália, com inúmeras sub-rotas como a que percorria todo o mundo aragonês, ou a sua participação nos muitos portos galegos onde contratavam negócios de monta;
serviços de transporte requeridos pelo monarca português em particular após a conquista de Ceuta (1415), no abastecimento desta cidade e, ao longo do tempo, das cidades e praças ocupadas no Norte de Africa;
tráficos de interesse internacional como o açucareiro, regista-se uma primeira participação no trato madeirense, de seguida no trato são tomense, e, já no século XVI, no brasileiro, por conta do rei, de mercadores da urbe e do estrangeiro que motivara contactos de grande interesse no Norte da Europa e no Levante;
contratação dos seus serviços pelas autoridades centrais ou por simples particulares para o desempenho de um leque de funções que passaram pelo envio de embaixadas a França, a Inglaterra ou a Roma, pelo transporte de peregrinos, por exemplo para Santiago de Compostela, pela condução de alguns portuenses que no século XVI entraram na Religião de Malta, no Mediterrâneo, e pelo transporte de emigrantes para os diferentes domínios do império português.

Contudo, o mar era espaço inseguro, de grande conflitualidade, propício a predadores e aventureiros em busca de fortuna a custa de quem se lhes atravessava no caminho. A pirataria, tantas vezes disfarçada de corsarismo, fazia-se sentir de forma mais incisiva em determinadas franjas costeiras da Europa ou em momentos de maior tensão entre estados e regiões interessados na actividade marítima. Em lugares que proporcionavam abrigos e formas de camuflagem dos navios agressores, como as abras da Galiza ou algumas zonas mais recortadas da costa mediterrânica, em pontos de intersecção das grandes rotas de tráfego, podia encontrar-se embarcações de aventureiros do mar emboscadas esperando a passagem de navios mercantes.
O incremento da pirataria e do corso vai lado a lado como desenvolvimento da actividade naval e do comércio marítimo. Entre os factores organizativos mais importantes, contava-se o sistema de comunicações e de espionagem. Como o mercador, o corsário tem de estar bem informado. A circulação de notícias ganha particular relevância e pretende-se que seja cada vez mais rápida. Ela faz-se de variadas formas: pelo envio de correios por terra ou por mar. Por intermédio de alguém em quem se confia e se dirige para determinado local. Entre os navios que se cruzam no mar através de sinais de luzes, de bandeiras ou, quando as condições de mar o permitem, de viva voz utilizando-se, por vezes, os batéis para levar novas e mantimentos de uma embarcação para a outra». In Amândio M. Barros, O Porto contra os Corsários, bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Revista da Faculdade de Letras, História, Porto, III Serie, 2000».

Cortesia da RevistadeLetras/JDACT