Antero
de Quental ou o Mestre Metafísico
«(…) O satanismo pode
dizer-se que é o realismo no mundo da poesia. É a consciência moderna (a
turva e agitada consciência do homem contemporâneo!) revendo-se no espectáculo
das suas próprias misérias e abaixamentos, e extraindo dessa observação uma psicologia
sinistra, toda de mal, contradição e frio desespero. É o coração do homem
torturado e desmoralizado, erigindo o seu estado em lei do Universo... Antero
evoca então Baudelaire como símbolo de um século
fantasma, tão sábio que é ateu.
Estava, assim, a condenar o conhecimento. No entanto, é em nome do conhecimento,
e do conhecimento activo, aberto ao maior número, que Antero profere, a 22
de Maio de 1871, a conferência
inaugural das Conferências do Casino e ainda, a 27, outra sobre as Causas
da Decadência dos Povos Peninsulares.
Esta fase activa de Antero
prolonga-se até 1873, ano da morte
do pai. Antero, que passara já por uma fase de depressão após a queda da Comuna
de Paris e a consolidação em Portugal da corrente republicana contra a
corrente socialista, regressa aos Açores. A partir de então, cessa o seu
militantismo, à parte uma breve e decepcionante adesão à Liga Patriótica do
Norte, fundada após o Ultimatum
inglês de 1890. Recorramos ainda a
Eça para melhor compreender esta última fase da vida de Antero. O artista, o fidalgo, o filósofo, que em
Antero coexistiam, não se entenderam bem com a plebe operária. Sempre sincero,
lavou as suas mãos e proclamou que só os Proletários eram competentes para
exprimir o pensamento e reivindicar o direito dos Proletários. E, amando ainda
os homens, mas desistindo de os conduzir a Canaã subiu com passos desafogados
para a sua alta torre bem-amada, a torre da Metafísica.
O mestre da Geração de 70
torna-se então, definitivamente, um mestre metafísico. E também um grande
mestre do soneto, forma que, sendo estrita, tão plenamente acompanha o tumulto
íntimo da derradeira fase da vida do poeta. Nesses sonetos, Antero concentrou
não só as contradições da sua obra (acrescentada ainda pelo ensaio Tendências
gerais da filosofia na segunda metade do século XIX, 1890) mas também as da sua vida,
à qual, após um isolamento voluntário em Vila do Conde, pôs termo, com um tiro
de pistola, num banco de jardim de Ponta Delgada, numa noite sombria, a 11
de Setembro de 1891.
Oliveira
Martins ou o teórico da decadência
Se há geração cultural portuguesa
para a qual a história representou um absoluto, e precisamente um absoluto
antes de mais cultural, foi a Geração de 70. Dela teria, portanto,
de nascer um historiador. Esse historiador foi Oliveira Martins, ainda que ele
nada tenha, como veremos, de historiador de formação científica no sentido moderno do termo. E, no entanto, como veremos
também, a sua actualidade é incontestável. É mesmo, talvez, maior do que a do
seu mestre, Alexandre Herculano, de
longe mais sistemático do que Oliveira Martins.
Autodidacta, Oliveira Martins,
nascido em Lisboa (1845) de uma família burguesa intelectualizada, não teve como
Antero e Eça uma vida de boémia universitária
nem a sua obra partiu de uma revolta contra as instituições em que tivesse sido
educado. Ainda muito novo, com quinze anos, após a morte do pai, Oliveira
Martins teve de começar a trabalhar como empregado do comércio. A sua primeira
obra, Phebus Moniz, data de 1876
e é nitidamente influenciada pelo primeiro
romantismo, em especial pelo estilo romance histórico à la manière de
Herculano. E digo à la manière porque só mais tarde Oliveira Martins
assimilou esse romantismo histórico de Herculano em profundidade, fundindo-o
com outras tendências culturais e libertando-se da mera imitação dramática.
Para esta evolução da sua obra
contribuiu de uma maneira decisiva o contacto que Oliveira Martins teve com o
grupo do Cenáculo. Ao princípio, interessa-se mais por Teófilo Braga e
pelas suas teorias comtianas, publicando um opúsculo que lhe é consagrado: Teófilo
Braga e o Cancioneiro (1869). Mas acaba por se ligar intimamente
a Antero de Quental, quer como amigo quer como investigador da história,
optando assim por uma tendência ideológica socialista contra o jacobinismo. Um
texto de 1870, A Teoria do
Mosarabismo revela-nos bem esta viragem. Criticando a História da
Literatura Portuguesa de Teófilo Braga, Oliveira Martins escreve, atacando,
como Nietzsche, o espírito germanófilo-prussiano, mas, afinal, defendendo
aquilo que na Alemanha de Goethe permanece essencial para toda a Europa do
século XIX: Entre os moços espíritos que
o germanismo conquistou está o Sr. Teófilo Braga. Teutómano, tomou para si o
papel de representar entre nós principalmente os defeitos da Alemanha contemporânea.
Como publicista as suas ideias resultam da impressão vaga e nebulosa da
demagogia académica do símbolo de Hambach: acabar com a monarquia e com o fisco (!) eis a revolução política; como
filósofo e como historiador, as conclusões deste ensaio são a sua condenação;
como crítico e como moralista talvez ainda um dia pegue na pena para o estudar;
como erudito, finalmente, todos os seus trabalhos estão profundamente viciados
por esse grande defeito que, segundo nos diz Renan, ataca a ciência alemã, a
febre de anunciar descobertas, de ir além e contra os mestres, e por isso se
reduzem a um dilúvio de teses temerárias e paradoxais.
A
colaboração íntima com Antero de Quental manifesta-se ainda na organização do
movimento socialista em Portugal e na redacção dos jornais O Pensamento
Social e A República (1870-1873). São da mesma
altura e do mesmo teor doutrinário os livros: Teoria do Socialismo,
evolução política e económica das sociedades na Europa e Portugal
e o Socialismo, ambos de 1873».
In Álvaro
Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto
de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões,
Livraria Bertrand, 1986.
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