«Edward Wozny ficou
parado, a olhar cie olhos semicerrados para o Sol, dificultando a passagem da
multidão que se deslocava em ambas as direcções. Estava um dia quente e
luminoso. Ele tinha vestido um fato cinzento, caro, feito por medida, e teve de
rebuscar no que pareciam ser dúzias de pequenos bolsos exteriores e interiores,
de vários tamanhos e feitios, até conseguir encontrar o bocado de papel que
procurava. Virou-o nas mãos. Era de uma forma vagamente triangular, com um
ângulo cortado a direito e outro rasgado, o canto de uma fotocópia recuperada do
cesto de papel para reciclagem, no escritório. De um dos lados havia um fragmento
de um memorando fotocopiado que começava com …na medida em que todos os participantes de qualquer fundo de capital…
do outro lado estava escrito um nome e uma morada, a esferográfica azul. Dobrou-o
cuidadosamente ao meio e voltou a guardá-lo no pequeno bolso-dentro-do bolso
onde o tinha encontrado.
Edward olhou
para o relógio e começou a subir a Madison Avenue, passando por cima de um
sinal de estacionamento proibido arrancado do cimento, que jazia no passeio. Em
frente da loja de vinhos da esquina, um homem regava com uma mangueira
tabuleiros de couves, alfaces e beterrabas, enchendo o ar com um cheiro a
hortaliça, fresco e húmido. Um delta formado por pequenos regatos dispersos e
brilhantes corria para a valeta. Edward passou entre eles, contrariado, e virou
a esquina para a 84 Avenida. Sentia-se bem, ou pelo menos estava a fazer os possíveis
por se sentir bem. Estava de férias, a sua primeira folga desde que começara a trabalhar,
há quatro anos, e já se tinha esquecido de como era. Estava livre para ir para
onde quisesse, quando quisesse e, quando lá chegasse, podia fazer o que muito bem
lhe apetecesse. Pensou que iria gostar da sensação, mas agora sentia-se indeciso
e desorientado. Não sabia o que fazer consigo próprio, naquele interregno vazio
e sem programa.
Na véspera, era um
bancário do mercado de investimentos de Nova Iorque, muito empreendedor e muito
bem remunerado e dentro de duas semanas seria um bancário do mercado de investimentos
de Londres, muito empreendedor e muito bem remunerado. Neste momento era apenas
Edward Wozny e não tinha bem a certeza do que isso significava. Trabalhar era a
única coisa que sabia fazer e era a única coisa que se lembrava de jamais ter
feito. O que é que as pessoas fariam quando não estavam a trabalhar? Jogavam?
Quais eram as regras? E o que é que se ganhava? Suspirou e encolheu os ombros. Estava
num quarteirão tranquilo, ladeado de casas luxuosas, construídas em pedra calcária.
Uma das fachadas estava completamente coberta por uma única trepadeira fantástica,
grossa como uma árvore e retorcida como uma corda. Uma equipa de operários vestindo
fatos-macaco trabalhava arduamente para fazer descer um piano vertical branco
por um lance de escadas até um apartamento na cave. Distraído a vê-los
debaterem-se com o piano, Edward quase tropeçou numa mulher que estava acocorada
no passeio.
Para tua informação,
se estás a pensar em usar essa palavra comigo, disse ela rispidamente, é melhor
que saibas o que significa. A mulher estava agachada sobre os quadris, com o vestido
muito esticado entre as coxas, uma mão no chão para se equilibrar como um corredor
a preparar-se para a partida. Um chapéu de aba larga, creme, encobria-lhe o
rosto. Uns metros atrás, um homem de cabelos brancos, com um rosto afiado como
uma faca (marido? pai?) esperava, ao lado de um carrinho cheio de baús e malas.
Tinha as mãos cruzadas atrás das costas. Não sejas criança, respondeu ele. Ah,
então agora sou criança? É isso que pensas?, retorquiu ela, exaltada. A sua pronúncia
oscilava entre o inglês e o escocês. É verdade, é isso mesmo que tu és. A mulher
levantou os olhos para Edward. Era mais velha do que ele, talvez trinta e cinco
ou quarenta anos, a sua pele era clara e o cabelo negro, ondulado, de uma beleza
que há muito tinha passado de moda, como uma rapariga de um filme mudo. Ele distinguia
o contorno pálido dos seus seios aprisionados na renda branca do sutiã. Edward detestava
este tipo de exibição em público, era como virar uma esquina e encontrar-se directamente
dentro do quarto de alguém, e tentou passar pela mulher discretamente, mas os olhos
dela fixaram os seus, antes que ele pudesse escapar. E você? Vai ficar aí, a olhar
para o decote do meu vestido, ou vai ajudar-me a procurar o brinco?
Ele parou.
Durante um momento crítico, não lhe ocorreu uma resposta simples e diplomática.
Qualquer coisa servia, uma recusa elegante, uma boa saída com uma certa decência,
um silêncio desdenhoso, mas bloqueou. Com certeza, murmurou. Lenta e
desajeitadamente, acocorou-se ao lado da mulher. Ela retomou a troca de palavras
com o companheiro (o marido, decidiu Edward) como se nada os tivesse interrompido.
Pois bem, atirou ela, prefiro ser infantil, do que um velho rubicundo! Edward franziu
o sobrolho, examinando o passeio de cimento reluzente e fingindo ter ficado
subitamente surdo. Ele tinha aonde ir e os seus próprios assuntos para tratar.
No entanto, não pôde deixar de reparar que o casal estava impecavelmente vestido.
Edward tinha uma aptidão profissional para avaliar rendimentos e ali cheirava-lhe
a dinheiro. O homem envergara um fato de Verão, de flanela, feito por medida e de
excelente corte, e a mulher um vestido leve e elegante, de cor creme a condizer
com o chapéu Ele era magro, um bocado estragado e tinha uma densa cabeleira branca:
a sua pele era de um tom um pouco avermelhado, como se tivesse acabado de
chegar de uma temporada nos trópicos». In Lev Grossman, O Códice Secreto, 2004,
tradução de Maria Colares, Editorial Presença, 2005, Edição Sicidea, 2006,
DLegal B-54693-2006.
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