quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Poesia. Um jogo doce. Maria Teresa Horta. «Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, define com perfil e ser este fulgor baço da terra que é Portugal a entristecer, brilho sem luz e sem arder, como o que o fogo-fátuo encerra»

jdact e wikipedia

As nossas madrugadas
«Desperta-me de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas

O sono em que me deito
pois suspeitas
que com ele me visto
e me defendo

É raiva
então ciúme
a tua boca

É dor e não
queixume
a tua espada

É rede a tua língua
em sua teia
é vício as palavras
com que falas

E tomas-me à força
não o sendo
e deixo que o meu ventre
se trespasse

E queres-me de amor
e dás-me
o tempo

A trégua
A entrega
E o disfarce

Lembras os meus ombros docemente
na dobra do lençol que desfazes
na pressa de teres o que só sentes
e possuíres de mim o que não sabes

Despertas-me de noite
com o teu corpo

Tiras-me do sono
onde resvalo

E eu pouco a pouco
vou repelindo a noite

E tu dentro de mim
vais descobrindo vales»


Entre nós e o tempo
«Assim... meu amor
penetra o tempo

as ancas devagar
as pernas lentas

o charco dos teus olhos
e a laranja
a palpitar dentro do meu ventre

Assim... meu amor
penetra o tempo

a boca devagar
os dedos lentos

a raiva do punhal que enterras
no sol pastoso
do meu ventre

Assim... meu amor
penetra o tempo

os rins devagar
o espasmo lento»
Poemas de Maria Teresa Horta, in ‘As Palavras do Corpo

In Maria Teresa Horta, As Palavras do Corpo, 2012, Publicações dom Quixote, 2014, ISBN 978-972-204-903-0.

Villas-Boas, que estejas na paz!

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