Madalena e os Evangelhos Gnósticos
Nag Hammadi
«(…) Foi pois em Dezembro de 1945
que se deu uma das maiores descobertas de textos de carácter religioso, com
repercussões de peso para toda a tradição ocidental. Em Nag Hammadi, no sopé da montanha Gebel al Tarif no alto
Egipto, encontraram-se 1156 páginas escritas dos dois lados, em copta,
encadernadas em cabedal. Terá sido um camponês Mohammed Ali Samman quem,
inadvertidamente, desenterrou a ânfora de barro selada contendo 13 volumes de
manuscritos. Levou-os para casa e a mãe terá chegado a usar algumas folhas para
atear o fogo na cozinha. Terá confiado uma primeira parte dos textos a um
religioso, Al-Qummus Basiliyus Abd el Masih, que por sua vez os envia ao
historiador Raghib. Depositados no museu Copta do Cairo, virão a ser
estudados pelo egiptólogo francês Jean Doresse (falecido em Maio de 2007),
e Toga Mina, o seu director. Uma segunda parte dos manuscritos cai nas mãos de
Bahij Ali, conterrâneo de Ali Samman, que os negoceia com um antiquário, Focion
Tano. Antes que o Museu os consiga recuperar, o codex nº. 14 terá sido sucessivamente vendido a Alfredo
Malardi e depois Thomas A. Malko. A última informação coloca-o na posse de Peter
Volker e desaparecem ambos em 1975.
Os restantes são comprados por uma italiana, vindo a constituir a colecção Dattari que, em 1952, se torna propriedade do Museu
do Cairo. Uma terceira parte é vendida no mercado negro e recuperada pelo
antiquário egípcio Albert Eid, que os deposita num cofre-forte na Bélgica. A
viúva de Eid vende-os a Gilles Quispel, representante da fundação Jung de
Zurique.
Além dos tratados gnósticos, entre eles os Evangelhos de Tomé e Filipe,
os volumes incluem 3 obras pertencentes ao Corpus Hermeticum e uma
tradução parcial da República de Platão. Pensa-se que se trata de uma
biblioteca escondida pelos monges do mosteiro de S. Pacómio para escaparem
à censura por heresia. Terão sido compostos em grego pelo século II, e
depois traduzidos para o copta.
Datação dos manuscritos
Quanto aos manuscritos em si, os exames colocam-nos em cerca 350-400
d.C.. Mas os estudiosos discordam ferozmente quanto à data dos originais. E
têm-se socorrido dos heresiólogos, pois Ireneu de Lião, a escrever por volta de
180 d.C., declara que os hereges se gabam
de possuir mais evangelhos do que realmente existem e lamenta que no seu
tempo tais escritos tenham alcançado vasta circulação, da Gália através de
Roma, Grécia e Ásia Menor. Com a descoberta destes papiros em 1945 os termos gnóstico, gnose, gnosticismo passaram a exigir
ajustamentos. Num colóquio em Messina, em 1966,
J. Torrents, um dos tradutores, propõe uma redefinição para se evitar qualquer febre pan-gnóstica. Sugere que se
conceba a gnose como um grupo de sistemas tendo por objectivo o conhecimento
dos mistérios divinos reservados a uma elite, tido por uma revelação diversa
das bíblica e islâmica.
O problema da salvação
Todos os textos sagrados são, naturalmente, salvíficos. O problema da
salvação em si corresponde à passagem de um lugar para outro, de preferência
melhor, depois da morte. Nalguns casos, há a ideia de que já se esteve nesse
lugar (sempre um paraíso) do qual se saiu, caiu, ou foi expulso por algum
motivo. Será por isso que se inauguram com um génesis, que é também uma
cosmologia, como na Teogonia do grego Hesíodo, no Timeu de Platão, ou na
Bíblia judaica, depois cristã. No panteão grego, em que os deuses se guerreiam,
a degradação alastra a partir do espaço divino. No caso judaico-cristão, tendo
como criador um único deus perfeito, a falha primordial é atribuída à criatura,
os desobedientes Adão e Eva. Também os textos gnósticos se preocupam com
a salvação do homem, com a relação que este possa manter com a entidade que
imaginam o criou. Nos seus conceitos tentam fundir aquelas tradições
antagónicas. Por um lado, assumem a existência de uma divindade suprema una e
perfeita (macho-fêmea), no topo da de uma hierarquia herdada de Platão e da Bíblia.
Esta entidade (o Único, o Absoluto, a Mónada, o Perfeito, o Grande Arquitecto) e suas emanações (Éons, os pares macho-fêmea, as sigizias
entre 20 a 30) distribuem-se por um espaço simbólico: o Pleroma, cuja última fronteira traz por nome Limite, por vezes coincidindo com a órbita de Saturno. No alto
encontra-se o reino da Luz, abaixo até à terra, na zona sublunar, o reino das
trevas criado pelo Demiurgo. O Demiurgo é Iahvé, ou Ialdabaot, o
Deus do Antigo Testamento. É um deus secundário que ignora a existência do
único e verdadeiro Deus, o Grande Espírito Invisível e Transcendente». In
Helena Barbas, Madalena, História e Mito, Ésquilo Edições, Lisboa,
2008, ISBN 978-989-8092-29-8.
Cortesia de Ésquilo/JDACT