Renascença Portuguesa e a Guerra. O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime
Cortesão. Concretização do sonho
«(…)
Este último corrobora a posição de Proença e transmite-a a Pascoaes, criticando
o saudosismo, sobretudo a ligação estreita deste à definição ideológica do projecto
e como doutrina essencial da Renascença. Em relação à revista, órgão do
movimento, Proença e Sérgio sugerem modificações. Cortesão considera as
propostas, mas continua a filiar-se no misticismo e no idealismo da Saudade,
suportado numa espécie de santidade civil: Esta
revista é para nós um templo: a nossa esperança, esforço, fervor patriótico,
lutas de ideias ou realizações de Beleza, unge-os a nossa fé de profunda religiosidade.
Proença chega mesmo a sugerir a Cortesão a alteração do título da revista para Renascença. Considera que A Águia, servia para título de
uma revista literária, exclusivamente literária, de gente moça, exclusivamente moça.
O título mantém-se, como sabemos, e a tendência predominantemente saudosista também,
embora enriquecida com a polémica entre Pascoaes e António Sérgio. A segunda série
da revista inicia a sua publicação em Janeiro de 1912, como órgão da Renascença, tendo como director literário Teixeira
Pascoaes, director artístico António Carneiro e director científico José Magalhães.
Jaime Cortesão não integra a direcção talvez porque decida empenhar-se na intervenção
pedagógica da Renascença com a direcção de A
Vida Portuguesa e a criação das Universidades Populares. O projecto da Renascença
vai ganhando forma, embora permaneça e prevaleça a tendência saudosista de Pascoaes
expressa desde logo no texto que serve de editorial à 2ª série de A Águia intitulado Renascença e que pretendia acentuar a sua
visão do movimento.
Foi Cortesão
que sugeriu que fosse Pascoaes a escrever o texto de abertura da segunda série.
Retomando ideias expressas no projecto do programa por ele apresentado,
considera que o fim da revista, como órgão da Renascença, era dar um sentido às
energias intelectuais que a nossa raça possui. Tenta justificar algumas das críticas
que lhe são dirigidas considerando que a palavra Renascença não significa um
simples regresso ao Passado, é regressar às fontes originais da vida, mas para criar
uma nova vida. No entanto, insiste na Saudade como o próprio sangue espiritual da
raça, o sentimento-ideia, a emoção reflectida e a própria Renascença
original e criadora. Condena ainda todas as influências negativas, do ponto de vista
moral, cultural, político ou religioso, vindas do estrangeiro. Pascoaes insiste
no número dois da revista nas ideias defendidas no primeiro artigo. Esta insistência
motiva a reacção de Sérgio e Proença à qual responde Teixeira Pascoaes e também,
embora sem dedicatória, Cortesão.
Sérgio, mais tarde, numa carta a Cortesão
confessa: me penaliza a ideia de que você
tomou uma ala da Renascença, sem oferecer um lugar nela a um seu amigo, e da
Renascença, que não tem lugar na do Pascoaes. Manifesta as suas esperanças n’A Vida Portuguesa, questionando Cortesão
se esta cairia nos erros de A Águia.
Sugere que se crie nela uma secção intitulada Tribuna Livre aberta a todas as opiniões e a todos os interesses de
assunto geral. Funcionaria como uma arena para não dissidentes, para
dissidentes, e até mesmo para adversários. Reitera a sua confiança na ideia
geral da Renascença, como estava expressa nos Estatutos, e define uma série de
ideias comuns ao grupo, que deveriam ser privilegiadas relativamente às ideias particulares:
que a Nação Portuguesa poderá levantar-se, se o quiser; que é mister acordar as
almas pelo sentimento; é preciso chamar todos à grande obra colectiva. Na mesma
data envia uma carta a Proença, dizendo-lhe que já tinha escrito a Pascoaes, criticando
certos conceitos do poeta que tinham vindo a ser apresentados como credos ou dogmas
da Renascença: a intransigência artística e religiosa, a exclusão da cultura estrangeira,
etc. Mais tarde, esclarece o seu procedimento para com Pascoaes declarando que fugiu
dele tanto quanto lhe foi possível: Quando
o saudosismo apareceu, não o ataquei, fugi, deixando de colaborar na Águia; o saudosismo
continuou, e eu fugi mais, abandonando a Renascença. O nosso poeta continuou não
só a dar-nos o seu saudosismo, como a ridicularizar e amesquinhar os estrangeirados,
embasbacados com Paris de França; sou dos que o Poeta chama estrangeirados, se bem
que não principalmente». In Elisa Neves Travessa, Jaime
Cortesão, Sinais do Pendsamento Contemporâneo, Ensaio, Política, História e
Cidadania, 1884-1940, ASA Editores, Setembro de 2004, obra adquirida e
autografada em Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.
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