quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O Silêncio e as Vozes. Maria Sarmento. «Canto o vento e o lume, o verde e a brancura sou o eterno perfume da saudade, que dura. Canto o abismo e o sonho e a minha vida, incompleta; canto porque existo e sou o que sobra do poeta»

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«Há um caminho que só eu sei
que vai dar à casa antiga.
E há uma varanda
que dá para o mundo                   
onde uma menina está sentada
a pensar as palavras com o coração».


«Nas tardes de Domingo
dormia-se até tarde.
Só a mãe sustentava no seu colo
aquele mundo.
Das suas mãos, o pão e o leite,
o mel e as nozes
faziam o suave milagre dos dias».


«Na velha casa do mundo
moramos todos.
Mas é na casa das memórias
que eu habito com o passado.

Por isso, a minha casa
é o meu jardim
onde vou arrancado os espinhos
da roseira da alma».


«Olho as garças
sobrevoando o lago
as garças ou outras
quaisquer criaturas
da categoria volátil dos sonhos.

Olho as garças
e os meus olhos
prendem-se nelas.
É Natal e faz frio
paira uma qualquer névoa
no ar frio da praça.

Como uma sombra no meu coração,
as garças escurecem o lago.
A tarde respira humidade,
nos meus olhos cai a névoa.

É Natal. Faz frio.
Não tanto como no meu coração.
Aceno às garças, um adeus de olhar
não neva senão na alma.
Flocos nostálgicos caem
na leveza da tarde».
Poemas de Maria Sarmento, in ‘O Silêncio e as Vozes

In Maria Sarmento , O Silêncio e as Vozes, Árion Publicações, colecção O Guardador de Rebanhos, 1999, ISBN 972-840-909-5.

Cortesia de Árion/JDACT