quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Cristovam Pavia (filho) e Francisco Bugalho (pai). Almeida Garrett. Poesia. «A poesia implica sempre uma resistência à precaridade de viver. Dos poetas que morrem jovens, Cristovam (Bugalho, sobrinho do Adolfo…) impressionou-me no Alentejo e na tertúlia…»

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Prelúdio
«Levanta-se da rocha a flor esmagada
mais dura do que a rocha e cristalina.
Raízes, caule, pétalas, angústia.
Raízes para sempre ali cravadas,
caule verticalmente inexorável,
pétalas miraculosas: pura água.
Minhas mãos são chagas
para te colher...
Minhas mãos são chamas,
pedaços de gelo...
Levanta-se da rocha a flor esmagada».
Poema de Cristovam Pavia (1933-1968), in ‘Os poemas da minha vida

Romance Policial
«Acabei o romance policial
e sinto a amargura indefinível
daquela personagem principal.

(Lá fora há silêncio na madorna
que o sol lança sobre as coisas.)
Pobre mulher loira que matou por amor!

Afinal, isto é banal;
Mas hoje, não sei porquê,
sinto bem fundo o drama
daquela personagem principal.

(Zumbe sobre a minha mesa uma mosca cansada...
Lá fora anda o calor do sol; não há mais nada.)

Só eu estou cheio do sonho
da mulher loira que matou por amor...
E, não sei bem porquê, também componho
um drama em que entro, e é desolador.

Sinto-me simplesmente comovido
como um colegial,
com esta história simples, sem sentido,
e superficial.

Há dias assim,
e eu bem estou vendo como é falso
o caso do romance policial.
Mas...

Queria poder salvar
aquela mulher dócil e franzina
que matou por amor,
e cuja morte
fez surgir esta dor
que me domina.

É enternecedor
fim do tal romance policial!
É de mau gosto, frágil e banal!

(Lá fora, que calor!...)
Poema de Francisco Bugalho (1905-1949), in ‘Os poemas da minha vida


Voz e Aroma
«A brisa vaga no prado,
perfume nem voz não tem;
quem canta é o ramo agitado,
o aroma é da flor que vem.

A mim, tornem-me essas flores
que uma a uma eu vi murchar,
restituam-me os verdores
aos ramos que eu vi secar...

E em torrentes de harmonia
minha alma se exalará,
esta alma que muda e fria
nem sabe se existe já.
Poema de Almeida Garrett (1799-1854), in ‘Os poemas da minha vida

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