Prelúdio
«Levanta-se da rocha a flor
esmagada
mais dura do que a rocha e
cristalina.
Raízes, caule, pétalas, angústia.
Raízes para sempre ali cravadas,
caule verticalmente inexorável,
pétalas miraculosas: pura água.
Minhas mãos são chagas
para te colher...
Minhas mãos são chamas,
pedaços de gelo...
Levanta-se
da rocha a flor esmagada».
Poema de Cristovam Pavia (1933-1968), in
‘Os poemas da minha vida’
Romance Policial
«Acabei o romance policial
e sinto a amargura indefinível
daquela personagem principal.
(Lá fora há silêncio na madorna
que o sol lança sobre as coisas.)
Pobre mulher loira que matou por
amor!
Afinal, isto é banal;
Mas hoje, não sei porquê,
sinto bem fundo o drama
daquela personagem principal.
(Zumbe sobre a minha mesa uma
mosca cansada...
Lá fora anda o calor do sol; não
há mais nada.)
Só eu estou cheio do sonho
da mulher loira que matou por
amor...
E, não sei bem porquê, também
componho
um drama em que entro, e é
desolador.
Sinto-me simplesmente comovido
como um colegial,
com esta história simples, sem
sentido,
e superficial.
Há dias assim,
e
eu bem estou vendo como é falso
o caso do romance policial.
Mas...
Queria poder salvar
aquela mulher dócil e franzina
que matou por amor,
e cuja morte
fez surgir esta dor
que me domina.
É enternecedor
fim do tal romance policial!
É de mau gosto, frágil e banal!
(Lá
fora, que calor!...)
Poema de Francisco Bugalho (1905-1949), in
‘Os poemas da minha vida’
Voz e Aroma
«A brisa vaga no prado,
perfume nem voz não tem;
quem canta é o ramo agitado,
o aroma é da flor que vem.
A mim, tornem-me essas flores
que uma a uma eu vi murchar,
restituam-me os verdores
aos ramos que eu vi secar...
E em torrentes de harmonia
minha alma se exalará,
esta alma que muda e fria
nem
sabe se existe já.
Poema de Almeida Garrett (1799-1854), in
‘Os poemas da minha vida’
JDACT