sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Enigma dos Manuscritos do Mar Morto. Qumrân. Eliette Abécassis. «Ou então os que ali estavam não o disseram. Ou então, a noite do seu enterro foi simplesmente como o dia: o céu não estava nem mais claro nem mais escuro; nenhuma luz o iluminava, como um sinal prodigioso»

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«(…) O aeroporto de Ben-Gu-ri-on estava repleto de hassidim de todos os países que tinham tomado o avião precipitadamente, de Nova lorque, Paris ou Londres. Quando os discípulos saíram da casa, foram assaltados pelos que queriam aproximar-se do rabi uma última vez. Iniciaram a procissão em direcção ao cemitério, seguidos por uma multidão negra e recolhida, como uma gigantesca viúva de cabeça coberta e véu, percorrida de soluços. Em seguida o cortejo iniciou a ascensão para o cemitério de Jerusalém, empoleirado no monte das Oliveiras. Lentamente, silenciosamente, transportaram-no até à pedra que indicava o lugar onde desde há trezentos anos repousavam os anteriores rabinos da mesma linhagem. Aí enterraram o seu corpo nu, envolto num sudário. Os três secretários do rabi pronunciaram o Kadish. Todos recitaram as orações da praxe. Depois, o discípulo favorito do rabi, aquele que ele amava entre todos, tomou a palavra e exprimiu-se assim: irmãos e irmãs!, disse ele. Jerusalém, a porta dos povos, foi destruída hoje, as suas muralhas foram derrubadas e as torres demolidas, o pó raspado: e eis que se assemelha a uma pedra seca. O rabi, nosso mestre, já não está connosco como dantes. Somos órfãos nesta terra, as nossas moradas estão desoladas, a nossa alma abatida, as lágrimas são o nosso pão, consomem-se-nos os olhos e secam-se-nos as gargantas. Mas o povo que avança nas trevas em breve verá uma grande luz, Olhem à vossa volta! A cavalaria de Deus conta-se aos vinte mil, às dezenas de milhar. Por todo o lado, as pessoas preparam-se; cada um segundo o seu ritmo e as suas crenças, mas todos se armam e unem nas grandes colmeias dos novos tempos. À nossa volta, o mundo desintegra-se no caos. Os nossos bairros são armaduras que nos protegem contra as torpezas sem conta das cidades tentaculares, Sodoma e Gomorra de rostos de aço e Plexiglas. Fechamos os olhos à depravação, ao estupro e à luxúria, às dinastias malditas de homens destroçados, animais descarnados que uivam ao luar, vagueiam pelas ruas desertas e, de olho exorbitado e cabelo comprido, colado à nuca mole, matam sem razão a presa fácil, a criança indefesa e a mulher só. Fora das nossas casas, a doença propaga-se e invade todos os continentes. Como uma nova lepra, isola os homens uns dos outros e fecha os doentes nos hospitais, últimos templos mortuários onde, mais do que a cura, contra a Redenção, longe da Ressurreição, se oficia a espera do fim, profética, irrevogavelmente anunciada pelos padres de bata branca. Em volta, a terra maldita, lixeira nauseabunda, devastada pela técnica e os seus resíduos, ressequida, queimada pelo sol, invadida pelo deserto, desertada pelas águas, a terra vomita e cospe, em convulsões doentias, os ossos enterrados à toa e o sangue ainda fresco da última guerra, massacre ou genocídio. Não vêem? O fumo sobe, a flor cai, a erva seca. Em breve, esta terra será o reino do mocho e do ouriço, da coruja e do corvo, Meus irmãos, estamos num tempo outro, estamos no fim do tempo.
O dia fala ao outro dia, a noite murmura à madrugada, as gotas de orvalho fremem ao vento novo e trazem a notícia: eis o rabi, eis o Messias que acorda do seu sono secular e se levanta, e ressuscita os mortos para salvar o mundo, E já se prepara para afinar e purificar a prata. E já se aproxima de nós para nos julgar. Eis que chega o dia, ardente como uma fornalha, e todos os orgulhosos e todos os que praticam o mal serão como o restolho, e esse dia que chega incendiá-los-á com o seu fogo inextinguível. E sobre aqueles que temem o seu nome, levantar-se-á o sol da justiça, e os seus olhos vê-lo-ão e dirão: o Eterno foi glorificado. E os que não vêem serão demolidos pela imensa vingança do Eterno, e assim o seu nome será glorificado. Então os parentes do rabi saíram do cemitério a fim de darem lugar as miríades de fiéis que esperavam à porta e que aí se sucederam até, muito tarde na noite sem sombra, nessa noite escura como todas as outras noites. Talvez ele tivesse que escapulir-se da sepultura para subir aos céus, mas ninguém viu tal. Ou então os que ali estavam não o disseram. Ou então, a noite do seu enterro foi simplesmente como o dia: o céu não estava nem mais claro nem mais escuro; nenhuma luz o iluminava, como um sinal prodigioso. A lua, escondida por um nevoeiro espesso, não estava cheia nem vermelha. Umas nuvens acinzentadas, ligeiramente mais brancas pelo fundo negro, anunciavam uma chuva fina ou de pedra, que nunca chegou a vir refrescar a paisagem abafada e terrosa. Os céus não se desvaneceram como o fumo nem se enrolaram como um documento. A terra não se estilhaçou, não vacilou como um homem ébrio, nem abanou como uma cabana. O mar não estava agitado, e as ondas calmas não atiraram lodo nem espuma. As montanhas não desabaram nem fundiram sob o fogo. O Saron não era um deserto como a Arava, Basan e o Carmelo não estavam pelados. Nem novos céus, nem terra nova, reino algum: a terra aqui em baixo, nada. Quem se fechara, cativo nas grutas, quem se escondera aí durante quarenta dias para ler o documento selado? A jarra do oleiro não se quebrara em mil cacos, e os fragmentos não serviam para trazer o lume da lareira ou tirar água do charco. A jarra do oleiro estava cheia. Continha mil tesouros divinos e as escavações abundavam em cacos». In Eliette Abécassis, Qumrân, O Enigma dos Manuscritos do Mar Morto, 1996, tradução de Lúcia Muccznik, Edições Sicidea, colecção Enigmas da História, Espanha, 2006, ISBN 978-84-611-4996-4.

Cortesia de Sicidea/JDACT