sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Os Filipes. António Borges Coelho. «Prenderam a saboeira e condenaram-na à morte. A defesa alegou que Beatriz Gonçalves era mãe dum filho de António e, neste caso, podia esconder e embarcar o régio amante»

jdact

Quem vos venceu
«(…) Aveiro fechou as portas ao rei António I mas, a 10 de Setembro, as suas tropas entraram na vila e saquearam-na. Quando chegou a Santarém a notícia da conquista de Aveiro e da aclamação de António em várias terras da Beira e do Norte, o povo revoltou-se e o duque de Alba teve de enviar duzentos soldados para acalmar a vila. E em Lisboa, no dia 5 de Outubro, mais de trinta homens armados correram as ruas gritando: Viva el-rei D. António. O Porto mudara para Filipe em 4 de Setembro. António avançou para a cidade com os seus 10 000 homens, em boa parte armados com paus e foices, e também com alguns portugueses que tinham chegado na armada da Índia. À aproximação do exército nacional e perante a agitação interna do povo miúdo, a cidade mudou outra vez de campo. Expropriaram-se os bens dos filipistas e obrigaram os mais ricos a pagar 100 000 cruzados. O bispo do Porto e o arcebispo de Braga, frei Bartolomeu dos Mártires, refugiaram-se na Galiza e Braga aclamou António. Em Lisboa, o duque de Alba mandou fortificar o castelo, guarneceu-o de soldados castelhanos e de artilharia e mudou para lá a residência. Agora, dominada a cidade, era preciso fazer jurar o rei Filipe nas cidades e vilas que, no norte e no centro, tomavam voz por António. E tentar capturá-lo, vivo ou morto.
A 22 de Setembro, o duque de Alba enviou para o Norte o general Sancho Ávila com 150 batedores, 3000 soldados de infantaria, 500 cavaleiros e um trem de artilharia. Uma semana depois juntaram-se-lhe mais 800 infantes. Na sua marcha, o general submeteu Loures, Torres Vedras, Aljubarrota, Leiria. No dia 7 de Outubro entregaram-se Pombal, Soure e Montemor-o-Velho; Coimbra no dia 8; Buarcos e Aveiro no dia 9. À notícia de que o exército de Sancho Ávila se aproximava do Porto, António mandou alguns coronéis a fazer gente. A mim me mandou a Barcelos e a todo o seu termo onde há grande número de companhias... enrolei alguns 4000, indo bem poucos ao Porto pela má vontade que tinham à guerra, e ao senhor dela, como vassalos do duque de Bragança. O que depois me houvera de custar a vida. O Porto rendia-se no dia 22 de Outubro. Os castelhanos saquearam o termo mas pouparam a cidade.
Onde para António? O duque de Alba escrevia a Filipe: Há poucos dias que não seja dito publicamente: Viva o rei António! E em Lisboa, na passagem de soldados da guarnição castelhana, um menino gritou: Viva o rei António! Levou um tiro na cabeça. O conde de Portalegre, Juan Silva, ex-embaixador de Filipe II em Lisboa, ferido e preso na batalha de Alcácer Quibir e agora integrado no exército de Sancho Ávila, perguntava ao rei: que morte reservariam ao fugitivo e aonde.

Caça ao rei D. António
Nas portas da cidade de Lisboa e por todo o reino afixaram-se cartas do rei de Castela: qualquer pessoa que denunciasse o paradeiro ou prendesse e matasse o prior António, receberia 20 000 cruzados e ser-lhe-ia perdoado qualquer delito; mas quem soubesse do rei fugitivo e não o denunciasse seria castigado. Muitos aventureiros castelhanos e muitos mais portugueses seguiam esta empresa de o prenderem. Do Porto, António seguiu para Viana da Foz do Lima. Aí mandou tomar dois pequenos navios estrangeiros carregados de bacalhau. Estando alguns dos seus já embarcados, avistaram a cavalaria inimiga. Passaram-se para a outra banda de Viana. Filipe mandara pôr guarda nos portos de mar e na fronteira terrestre. Viram o fugitivo na serra de Aire, em Alcanede, em Alenquer, em Vila Nova de Mil Fontes, em Lisboa, em Setúbal. Mas sendo tão grandes as promessas e tão grandes as ameaças, não houve nenhum, de milhares que o viram e conheceram, que o malsinasse e entregasse... Grandíssimo dom de lealdade e de honra tem Deus dado aos Portugueses.
Em Abril de 1581, no mesmo dia em que o rei Filipe entrou em Tomar, correu a notícia de que António estava escondido na igreja do Loreto, em Lisboa. Só apanharam o pároco. Um mancebo de Alfama, que vivia ao Chafariz dos Cavalos, fretou um navio para lhe dar a fuga. Mas no dia em que o Prior deveria embarcar na Trafaria, duas galés cercaram o barco. Apanharam Francisco Nunes, cavaleiro da Ordem de Cristo, Pedro Alpoim, lente da Universidade de Coimbra, e o traidor Duarte Castro, mas não o rei António. O Rei Prior encontrou o seu último refúgio em Setúbal na casa de Beatriz Gonçalves, saboeira muito rica, dona de marinhas. No princípio de Maio de 1581, Beatriz fê-lo embarcar para França numa urca de sal. Prenderam a saboeira e condenaram-na à morte. A defesa alegou que Beatriz Gonçalves era mãe dum filho de António e, neste caso, podia esconder e embarcar o régio amante. Mantiveram-na muitos anos presa». In António Borges Coelho, Os Filipes, Editorial Caminho, 2015, ISBN 978-972-212-740-0.

Cortesia de Caminho/JDACT