A Cruzada Albigense
«(…) No início do século XIII, a
área hoje conhecida como Languedoc não fazia oficialmente parte de França. Era
um principado independente, cuja língua, cultura e instituições políticas
tinham menos em comum com o Norte do que tinham com Espanha, com os reinos de
Leão, Aragão e Castela. O principado era governado por uma mão-cheia de
famílias nobres, sendo as mais importantes entre elas a dos condes de Toulouse
e a poderosa casa de Trencavel. E, dentro dos limites deste principado,
florescia uma cultura que, na época, era a mais avançada e sofisticada da
Cristandade, com a possível excepção de Bizâncio. O Languedoc tinha muito em
comum com Bizâncio. A instrução, por exemplo, era tida em elevada
consideração, como não acontecia na Europa do Norte. Floresciam a filosofia e
outras actividades intelectuais; exaltava-se
a poesia e o amor palaciano; estudava-se entusiasticamente o grego, o árabe e o
hebreu; e, em Lunel e Narbonne, prosperavam escolas devotadas à cabala, a
antiga tradição esotérica do judaísmo. Até a nobreza era letrada e
literária, numa época em que a maioria dos nobres do Norte nem sabiam assinar o
próprio nome.
Também como Bizâncio, o
Languedoc praticava uma tolerância religiosa civilizada e indolente, em
contraste com o zelo fanático que caracterizava outras partes da Europa. o
pensamento islâmico ou judaico, por exemplo, era importado através dos centros
comerciais marítimos como Marselha, ou atravessava os Pirenéus, vindo de
França. Ao mesmo tempo, a Igreja Romana não gozavade grande estima; os clérigos
romanos no Languedoc, em virtude da sua corrupção notória, conseguiam acima de
tudo alienar a população. Havia igrejas, por exemplo, onde não se diziam missas
há mais de trinta anos. Muitos padres ignoravam os seus paroquianos e
dedicavam-se aos negócios ou a gerir grandes propriedades. Um arcebispo de
Narbonne nunca visitou sequer a sua diocese.
lndependentemente da corrupção da Igreja,
o Languedoc tinha atingido um pico de cultura que não voltaria a ser visto na
Europa até à Renascença. Mas, tal como em Bizâncio, havia elementos de
complacência, decadência e uma fraqueza trágica, que deixavam a região
desprevenida para a investida posteriormente lançada sobre ela. Há já algum
tempo que, tanto a nobreza do Norte da Europa como a Igreja Romana estavam
conscientes da sua vulnerabilidade, e ansiosos por a explorar. A nobreza do
Norte há muitos anos que cobiçava a riqueza e luxos do Languedoc. E a Igreja
estava interessada por razões próprias. Em primeiro lugar, a sua autoridade na região
era frouxa. E, enquanto a cultura florescia no Languedoc, outra coisa florescia
também, a maior heresia da Cristandade medieval. Nas palavras das autoridades
da Igreja, o Languedoc estava infectado pela heresia albigense, a lepra imunda do Sul. E, embora os
aderentes a esta heresia fossem essencialmente não-violentos, constituíam uma
severa ameaça à autoridade de Roma, a mais severa ameaça, na verdade, que Roma
sentiria até os ensinamentos de Martinho Lutero darem início à Reforma, três séculos mais
tarde. Em 1200 havia uma possibilidade
muito real de esta heresia vir a substituir o Catolicismo Romano como forma dominante
da Cristandade no Languedoc. E, o que era ainda mais ameaçador aos olhos da
lgreja, isto já estava a estender-se a outras partes da Europa, especialmente a
centros urbanos naAlemanha, Flandres e Champagne. Os hereges eram conhecidos
por uma grande variedade de nomes. Em 1165
tinham sido condenados por um conselho eclesiástico na cidade de Albi, no
Languedoc. Por esta razão, ou talvez porque Albi continuasse a ser um de seus
centros, eles eram chamados com frequência de albigenses; noutras ocasiões eram cátaros; na Itália, patarines.
Não raro, eram também estigmatizados com nomes de heresias anteriores, como arianos,
marcionistas e maniqueístas. Albigense e cátaro eram nomes genéricos. Não
se referiam a uma única igreja coerente, como aquela de Roma, com teologia e doutrina
fixas, codificadas, definitivas». In Michael Baigent, Eichard Leigh,
Henry Lincoln, The Holly Blood and The Holy Grail, 1982, O Sangue de Cristo e o
Santo Graal, Editora Livros do Brasil, Colecção o Despertar dos Mágicos,
Lisboa, 2004, ISBN 972-38-2651-8.
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