sábado, 21 de novembro de 2015

A Poesia da ‘Belle Époque’ na Historiografia (1900 a 1922). Álvaro S. Júnior. «… um momento de alvoroço intelectual, marcado pelo fim da grande guerra e, entre nós, por toda uma ansiedade de renovação intelectual, que alguns anos mais tarde redundaria no movimento modernista»

Cortesia de wikipedia

«As duas primeiras décadas do século XX constituem uma fase da poesia brasileira que não recebeu um tratamento adequado por parte da historiografia a princípio por ser recente e, depois, por ser analisada à luz do movimento modernista, cujo início ficou convencionalmente associado à realização da Semana de Arte Moderna de 1922. Pretende-se com este artigo evidenciar, mediante sínteses das obras dos principais historiadores, o facto de que o assim chamado pré-modernismo mereceria ser compreendido na sua autonomia, desvinculado da dependência diante do modernismo.
A Pequena história da literatura brasileira (1919), de Ronald Carvalho, foi a primeira obra historiográfica a incorporar a poesia decadentista/simbolista, a mais recente novidade estética, e seus desdobramentos no começo do século XX. Após tratar das obras de Cruz Sousa e B. Lopes, o historiador citou poetas contemporâneos igualmente orientados pela inclinação geral mística e simbólica que se notava nesses dois autores. Do grupo formado por Emílio Meneses, Félix Pacheco, Alphonsus Guimaraens, Silveira Neto e Mário Pederneiras, atribuiu maior importância a este último, que, ao publicar Histórias do meu casal (1906), revelara-se um dos mais doces e emotivos poetas contemporâneos. De simplicidade inusitada, a poesia de Pederneiras exercia segura influência sobre grande parte dos poetas modernos (mas ainda não modernistas) graças ao hábil emprego do metro livre e à temática associada à vida doméstica e ao espaço urbano e natural do Rio de Janeiro.
Na sua História da literatura brasileira (1955), António Soares Amora designou o período de 1890 a 1920 de Época do simbolismo, quando se superava o materialismo e o positivismo pela via do espiritualismo católico ou cabalístico e esotérico, fundado no metapsiquismo (Teosofia, Espiritismo, Ocultismo). Tendo reunido sob uma denominação geral poetas muito diferentes entre si, Amora acabou por distribuí-los em dois grupos distintos: os simbolistas de vanguarda e os comedidos. Ao primeiro grupo pertenceriam Cruz Sousa, Alphonsus Guimaraens, Augusto Anjos, B. Lopes e Emiliano Perneta, entre outros; destacar-se-iam no segundo Vicente Carvalho, Goulart Andrade, Hermes Fontes, Martins Fontes e Olegário Mariano. Note-se que os comedidos seriam, a rigor, neoparnasianos que eventualmente assimilaram elementos do decadentismo/simbolismo. Observe-se ainda que Amora vinculou praticamente toda a poesia do período ao simbolismo.
Ao recolher em livro artigos publicados na imprensa nos anos de 1919 e 1920, Tristão Ataíde (pseudónimo de Alceu Amoroso Lima) reuniu-os sob a epígrafe O pré-modernismo, nome do primeiro volume da obra Contribuição à história do modernismo (1939), que, afinal, não teve continuidade. Para o autor, as suas crónicas representariam um momento de alvoroço intelectual, marcado pelo fim da grande guerra e, entre nós, por toda uma ansiedade de renovação intelectual, que alguns anos mais tarde redundaria no movimento modernista. Sem distinções estéticas claras, Ataíde reuniu resenhas das obras mais relevantes publicadas naqueles anos, contemplando autores como Bilac, Coelho Neto e Monteiro Lobato. Coube a Tristão Ataíde o mérito de criar o termo, pré-modernismo, que seria estendido a todo o período de 1900 a 1922.
No ensaio Simbolismo, impressionismo, modernismo, incorporado à obra colectiva A literatura no Brasil (1959), Afrânio Coutinho distinguiu no período de 1910 a 1920 uma fase de transição e sincretismo, anunciadora do modernismo. Esse período incaracterístico reuniria em graus variados elementos parnasianos, decadentistas, simbolistas e impressionistas. O impressionismo, novidade estética, propunha o registo da impressão que a realidade provoca no espírito do artista, no momento mesmo em que se dá a impressão. Como poetas representativos dessa fase, Coutinho mencionou Augusto Anjos, José Albano, Raul Leoni e Hermes Fontes.
No ensaio Literatura e cultura de 1900 a 1945, escrito na primeira metade da década de 1950 e publicado em volume de 1965, Antonio Candido denominou a literatura produzida de 1900 a 1922 literatura de permanência, pois teria apenas preservado e elaborado os traços desenvolvidos depois do Romantismo, sem dar origem a desenvolvimentos novos. Parte dessa literatura satisfeita, […] sem rebelião nem abismos, a poesia parnasiana apegou-se a fórmulas e logomaquia, agravando sua tendência para a retórica e deixando de lado o paradoxal mas salutar romantismo dos principais parnasianos. Candido reconheceu no simbolismo desenvolvimento mais original, mas limitado às obras de Cruz Sousa, falecido em 1898, e Alphonsus Guimaraens, que se isolou em Minas Gerais. Para o crítico, o idealismo simbolista acabou por dissolver-se no penumbrismo vers-libriste e não passou de uma solução literária e ideológica frágil e pouco construtiva; seria necessário, é claro, esperar pelos modernistas. Augusto Anjos, voz dissonante, não teria servido de estímulo para a criação, pois seus contemporâneos não encontraram em sua poesia nada além do desequilibrado verbalismo». In Álvaro Simões Júnior, A Poesia da Belle Époque na Historiografia (1900 1922) LusoSofia press, A Belle Époque Brasileira, CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-8577-15-3.

Cortesia de CLEPUL/JDACT