terça-feira, 24 de novembro de 2015

Em Alto Mar Wilbur Smith. «O 'Khamseen' soprava havia cinco dias. As nuvens de poeira rolavam até eles pela extensão intimidante do deserto. Devido a alguma ilusão de óptica causada pela luz do sol, a silhueta monstruosamente distorcida do helicóptero…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O Khamseen soprava havia cinco dias. As nuvens de poeira rolavam até eles pela extensão intimidante do deserto. Hector Cross usava um lenço listrado, um keffiyeh ao redor do pescoço e óculos protectores. A barba rala e escura protegia a maior parte do rosto, mas a sensação nas áreas expostas era de que a pele fora lixada pelos grãos abrasivos de areia até ficar em carne viva. Mesmo com o rugido do vento, ele foi capaz de escutar a batida pulsante do helicóptero que se aproximava. Ele sabia, mesmo sem olhar, que nenhum dos homens ao seu redor havia escutado ainda. Seria constrangedor se ele não tivesse sido o primeiro. Embora fosse dez anos mais velho do que a maioria dos demais, ele tinha de, na posição de líder, ser o mais rápido e perspicaz. Então, Uthmann Waddah fez um movimento ligeiro e o encarou. Hector assentiu com a cabeça de forma quase imperceptível. Uthmann era um dos seus agentes de maior confiança. A amizade dos dois datava de vários anos, desde que Uthmann havia tirado Hector de um veículo em chamas sob uma chuva de tiros em numa rua de Bagdá. Na ocasião, o facto de Uthmann ser muçulmano sunita deixara Hector desconfiado, mas com o tempo ele provou o seu valor. Agora, era indispensável. Entre outras virtudes, ensinara Hector a falar árabe de maneira quase perfeita. Seria necessário um interrogador qualificado para notar que Hector não era um falante nativo. Devido a alguma ilusão de óptica causada pela luz do sol, a silhueta monstruosamente distorcida do helicóptero lançava-se contra a faixa de nuvens como num show de lanterna mágica, de maneira que, quando o MIL-26 russo, pintado nas cores branca e vermelha da Bannock Oil, surgiu por entre elas, pareceu insignificante, tornando-se visível apenas quando estava a cerca de noventa metros do heliporto. Devido à importância da única passageira, Hector havia contactado o piloto pelo rádio antes da decolagem em Sidi el Razig, a base de operações da empresa no ponto terminal do oleoduto na costa, ordenando que não voasse em tais condições. A mulher havia desobedecido ao seu comando e Hector não estava acostumado a ser contrariado. Embora não se conhecessem pessoalmente ainda, o relacionamento entre ele e a mulher era delicado. Na prática, Hector não era empregado dela. Era o único dono da Cross Bow Segurança Limitada. Porém, a empresa era contratada da Bannock Oil para proteger os seus funcionários e as suas instalações. O velho Henry Bannock havia escolhido Hector a dedo entre várias firmas de segurança ávidas para lhe fornecer os seus serviços. O helicóptero pousou delicadamente na pista, e quando a porta da fuselagem se abriu, Hector caminhou ao encontro da mulher pela primeira vez. Ela surgiu na porta, parando para olhar em volta, o que fez Hector pensar num leopardo equilibrando-se num ramo no alto de uma árvore Marula, inspeccionando a presa antes de saltar. Embora achasse que a conhecia bem pelo que ouvira falar, em carne e osso ela parecia imbuída de tal poder e graciosidade que ele acabou tomado pela surpresa. Como parte de sua pesquisa, havia estudado centenas de fotos, lido páginas e páginas e assistido a várias horas de filmagem sobre ela. As imagens mais antigas mostravam-na na quadra central de Wimbledon, sendo derrotada por Navratilova numa partida de quartos de final disputadíssima, ou três anos mais tarde, recebendo o troféu pela conquista do torneio feminino do Open da Austrália em Melbourne. Em seguida, um ano depois, viria o casamento com Henry Bannock, chefe da Bannock Oil, um magnata bilionário trinta anos mais velho. Depois, cenas dela e do marido conversando e rindo com chefes de Estado ou estrelas de cinema e outras personalidades do meio artístico; caçando faisões em Sandringham como convidados da rainha da Inglaterra e do príncipe Philip, ou passando férias no Caribe no iate do casal, o Golfinho Amoroso. Em seguida, recortes dela sentada ao lado do marido na reunião anual da empresa; outros, dela lidando habilmente com as perguntas de Larry King no seu programa de entrevistas. Muito tempo depois, ela vestida em trajes de viúva e segurando a mão da filha, uma jovem encantadora, enquanto assistiam ao sarcófago de Henry Bannock ser instalado no mausoléu do rancho da família nas montanhas do Colorado. Depois disso, a batalha dela com os bancos e accionistas, e com o enteado, particularmente malévolo, fora narrada com entusiasmo pela comunicação social de negócios do mundo todo. Quando finalmente conseguiu arrancar os direitos herdados de Henry das mãos ambiciosas do enteado e assumiu o lugar do marido à frente da empresa Bannock Oil, as acções em bolsa haviam desvalorizado drasticamente. Os investidores evaporaram, a fonte dos empréstimos bancários secou. Ninguém queria apostar numa antiga tenista e alpinista social glamorosa transformada em baronesa do petróleo. Mas eles não haviam levado em conta o seu tino natural para os negócios e os anos de tutelagem sob as asas de Henry Bannock, que valiam por cem diplomas de MBA. Assim como as multidões nas arenas romanas, os seus detratores e críticos aguardaram com uma ansiedade medonha a mulher ser devorada pelos leões. Então, para o desgosto de todos, ela veio com o terminal Zara número oito». In Wilbur Smith, Em Alto Mar, 2011, Editora Planeta Brasil, 2012, ISBN 978-857-665-880-1.

Cortesia de EPlaneta/JDACT