quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Infantas de Portugal. Rainhas em Espanha. Marsilio Cassotti. «… da qual se ignora o local onde estão os seus restos mortais; séculos depois, com os de Joana de Portugal, desventurada mãe da “Excelente Senhora”, perdidos durante uma restruturação do templo onde repousavam»

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«(…) Quando o herdeiro atingia a maioridade, a sorte podia ser generosa para com a sua mãe e permitir-lhe ter um futuro com mais abertas do que nuvens. Mas como, por vezes, quando ele atingia a idade adulta era o pai ainda novo, começava a manifestar desejos de independência, ou, pior ainda, ambições de poder, que colocavam a mãe em graves dificuldades. Se a rainha se colocava claramente ao lado do filho, tinha de preparar-se para enfrentar o marido, ou, pior ainda, o seu valido, sempre disposto a actuar de forma menos escrupulosa do que a que se exige a um monarca. No caso de tentar opor-se abertamente às aspirações do filho, o que era compreensível quando o filho provocava muita perturbação, devia considerar as possíveis consequências quando o marido morresse e ela ficasse viúva, à mercê do novo rei. Na realidade, só com a chega da viuvez se podia ver se uma infanta portuguesa, rainha num país estrangeiro, tinha sabido actuar com inteligência e prudência. Uma rainha-mãe tinha, em teoria, assegurado o respeito do filho, pois de uma forma geral no testamento o monarca costumava ser muito explícito ao exigir-lhe certas obrigações que a sua honra real os fazia respeitar. Contudo, nem todos os reis tiveram tanta honra quanta deveriam ter, nem os filhos mais fiéis e respeitosos estiveram livres, algumas vezes, de outras condicionantes. Quando uma rainha ficava viúva, não era raro o filho estar já casado, pelo que passava então ela a ser sogra. E então tinha de enfrentar problemas opostos aos que tinha enfrentado quando chegara ao reino.
O seu êxito dependia em parte de ter sabido ganhar, com antecedência, o respeito da família do marido e dos membros mais importantes da corte. E houve casos em que uma esposa jovem soube conseguir o apoio quase incondicional do seu apaixonado marido, ou dos parentes dele, ou de certos cortesãos importantes, em desfavor da rainha viúva. Por isso deviam as rainhas, quando tinham filhos, ser muito hábeis na altura de se concertarem as bodas. Participar na escolha das suas futuras noras dava-lhes, em princípio, à possibilidade de a posteriori influir nelas. Quando nascia o primeiro neto, de um modo geral a rainha-mãe começava a considerar a sua saída de cena. Se tivesse sido prudente, e a maioria conseguiu sê-lo, depois de uma vida cheia de incertezas conseguia agora ter alguma segurança nas matérias que considerava mais importantes. Numa época em que a religião tinha uma grande importância, mesmo para os maiores pecadores, as questões relacionadas com a fé representaram para as rainhas consortes um enorme consolo, por isso as disposições religiosas ocupavam um lugar tão importante nos seus testamentos.
Até ao século XIX, isso permitiria às infantas portuguesas que chegaram a rainhas de Espanha dedicarem-se a uma importante tarefa fundacional ou, na falta dela, à de protecção de conventos e igrejas. Os mosteiros que fundaram ou protegeram estavam relacionados, no caso das primeiras infantas, quase sempre com a ordem de Cister, vinculada desde as suas origens à casa de Borgonha, a que elas pertenciam, e depois a outras ordens religiosas, como a dos Jerónimos, muito perto das infantas da dinastia de Avis. Depois de um longo período de esperanças que se não concretizaram, de ilusões perdidas e de traições inesperadas, os seus frágeis ossos eram colocados em esplêndidos edifícios ou monumentos relacionados com essas ordens. Mas também não se podia excluir que uma conjuntura contrária no momento da morte de uma rainha pudesse levar ao desaparecimento do seu sepulcro. No século XIII houve o caso de uma infanta portuguesa, rainha de Leão, da qual se ignora o local onde estão os seus restos mortais. E o mesmo ocorreria, séculos depois, com os de Joana de Portugal, desventurada mãe da Excelente Senhora, perdidos durante uma restruturação do templo onde repousavam. As três infantas portuguesas que se tornaram rainhas de Espanha depois de Joana de Portugal tiveram pelo menos o consolo de o seu nome ficar unido ao de certos artistas, a alguns edifícios de valor ou a instituições de altíssimo nível, Ticiano, Scarlatti, o mosteiro das Salesas Reales de Madrid, o Museu do Prado, o que possibilita que sejam hoje recordadas inclusivamente por pessoas que não se interessam pela monarquia portuguesa ou pela história tout court». In Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.

Cortesia ELivros/JDACT