quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Uma Mulher de Poder no Coração da Europa Medieval. Isabel de Portugal. Daniel Lacerda. «Os ingleses cobiçavam toda a França até, ao Loire, mais a Guyenne e o Poitou. E os franceses não queriam ceder mais do que a Normandia e a Guyenne. As duas forças enfrentaram-se em Meaux»

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Duquesa de Borgonha. O caso de Calais
«(…) Nesta primeira conferência de Gravelines não se chegou mais longe que a um compromisso de realizar outras em Calais sob mediação do duque Carlos Orleães. As Conferências tiveram lugar em Oye, no limite das terras borgonhesas e da Marche de Calais, e chegaram ao fim, em Julho, com o restabelecimento da paz entre a Inglaterra e a França e também com um acordo comercial com os flamengos. Dona Isabel foi o coração da organização e da negociação ao conseguir por frente a frente os embaixadores dos dois reis, salvaguardando os interesses da Borgonha e dos flamengos, que lhe ficaram gratos. O duque Filipe veio juntar-se-lhe em princípios de 1440 e instalaram a corte em Saint-Omer, de onde a duquesa se deslocava a Gravelines para participar nas negociações, acompanhada do chanceler Nicolas Rolin e de outros conselheiros, no papel de mediadora do rei de França, Carlos VII, enquanto o cardeal Henri Beaufort representava Henrique VI de Inglaterra. O duque não participou, mas dona Isabel consultava-o amiúde.
No intervalo das conferências efectuou-se o casamento de Carlos, conde de Charolais, com Catarina de França, que tinha então dez anos. O rei de França fê-la acompanhar de um ilustre séquito, conduzido pelos condes de Vendôme e de Tonnerre, pelos arcebispos de Reims e de Narbonne, que viajaram com outros embaixadores franceses agregados às negociações. Depois de uma recepção em Cambrai dada pelos condes de Nevers e de Étampes, o chanceler da Borgonha e substancial número de senhores, a condessa de Namur e outras grandes damas acolheram-nos e acompanharam-nos até Saint-Omer, onde se encontrava o duque. Mal o casamento foi celebrado, a 11 de Junho, as festividades tiveram imediatamente lugar, começando por uma justa em que o senhor de Créqui foi o paladino (Catarina viria a falecer em Bruxelas, em 1446, com a idade de 18 anos, sem deixar descendência).
Logo depois, a duquesa de Borgonha dirigiu-se a Gravelines com os seus conselheiros, o bispo de Cambrai e os senhores de Crèvecoeur e de Santes. O rei fez-se representar pelos senhores que haviam acompanhado Catarina. A delegação inglesa, dirigida pelo cardeal de Winchester, era completada pelo duque de Norfolk e o conde de Essex. Estavam presentes igualmente delegados do concílio de Basileia, que o rei apoiava, e do conde de Armagnac. As negociações desenrolaram-se em tendas, ricamente decoradas com tapeçarias, que a duquesa havia ordenado que fossem armadas em Oye, próximo de Calais. Mal-grado a cumplicidade existente entre os dois parentes, dona Isabel e o cardeal, seu tio, que desenvolviam, finalmente, uma actividade para lá, da simples mediação, as negociações entre as duas Coroas prolongaram-se sem que para elas fosse encontrada uma saída. Os ingleses cobiçavam toda a França até, ao Loire, mais a Guyenne e o Poitou. E os franceses não queriam ceder mais do que a Normandia e a Guyenne. As duas forças enfrentaram-se em Meaux, e os ingleses, em número superior, quase chegaram a ameaçar Paris. Os franceses acabaram por arrebatar aquilo de que as conversações de Gravelines os haviam despojado. A duquesa e o cardeal Beaufort despediram-se, todavia, de boas relações.
Mais fácil foi o restabelecimento, a partir de 29 de Setembro, da liberdade comercial entre a Inglaterra, a Flandres, o Brabante e Malines. A pedido da duquesa, os embaixadores conseguiram que os direitos de pesca fossem alargados a outros portos da costa até junto do rio Somme. Ao longo dos anos seguintes, a duquesa interveio para pedir aos ingleses respeito pela liberdade de pesca a favor dos pescadores das margens da Mancha. Um novo tratado foi assinado em Dijon, a 23 de Abril de 1443, pelo seu representante João Luxemburgo, senhor de Haubourdin, estando dona Isabel de Portugal então na posse de delegação de poderes do duque Filipe». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT