Renascença Portuguesa e a Guerra. O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime
Cortesão. Concretização do sonho
«(…) O programa proposto por Proença, resultado da reunião
de Lisboa, evidencia alguns aspectos comuns mas denuncia também claras contradições
com o pensamento de Pascoaes. A existência da pureza fundamental da alma
lusitana renascida e o repúdio em relação a todas as influências que emanavam
do exterior eram ideias que não contavam com a adesão de Proença. A alteração
do título do programa e do movimento para Renascença Portuguesa denuncia desde
logo que Proença não partilhava do patriotismo saudosista, nem da investida contra
o espírito europeu, considerando prejudicial um isolamento da nação em busca de
uma identidade própria. Coincide na necessidade de dar uma alma nova à nação, mas acentua a necessidade de formar um núcleo de
renascença nacional mais abrangente, passível de concentrar todas as tendências
dispersas, contanto que úteis, e os
espíritos mais díspares, contanto que
dedicados. No diagnostico dos males, doença
colectiva, que afectavam a sociedade aponta, entre outras, uma causa genérica, de índole moral, ou
seja, os três séculos de educação jesuítica, princípio defendido por Antero,
que a partir de um ensino de esquecimento,
anulou todas as forças vivas e energias que tinham colocado a sociedade
portuguesa a par da civilização mundial. Um isolamento da nação que transformou
as ideias e as vivências nacionais anacrónicas em relação ao meio europeu. Os
ventos novos do exterior, cientismo, positivismo, evolucionismo, determinismo,
eram absorvidos tardiamente e por isso tornavam-se prejudiciais, e
constituíam-se em estorvos e em
preconceitos. O remédio, a terapêutica ou estratégia proposta por Proença,
em contraste com a de Pascoaes, consistia em pôr a sociedade portuguesa em
contacto com o mundo moderno, fazê-la interessar pelo que interessa aos homens
lá de fora, dar-lhe o espírito actual, a cultura actual, sem perder nunca de
vista, já se sabe, o ponto de vista nacional e as condições, os recursos e os
fins nacionais. A criação de uma elite
consciente e uma opinião pública
esclarecida eram os fins essenciais da Renascença, tomando como meios a
instrução, o livro, a revista, o panfleto etc., em tudo idênticos, neste
aspecto preciso, aos propostos por Pascoaes. Considerando que era necessário dar
ao país uma alma que o ressuscite, não concordava que esse intento tivesse como
objectivo criar um país dependente das glorias do passado, mas grande da dignidade de um
povo que quer ser livre e que merece ser livre. Curiosamente, Cortesão,
à data da publicação destes manifestos, procura defender a Renascença desses
males que Proença diagnosticava. Considera exagerada a opinião daqueles que
propugnavam como remédio, para inverter o rumo da decadência, a educação cosmopolita,
o banho salutar nas águas lustrais da civilização estrangeira, e injusta a
acusação de isolamento que recai sobre a Renascença, lembrando a obra realizada
na promoção das Universidades Populares. Cortesão aproxima-se, neste período,
das tendências manifestadas por Pascoaes no seu manifesto e considera que o ideal de lusitanização conduz as
nacionalidades a definirem nitidamente a sua obra civilizadora, procurando
fazer da sua acção actual um corpo vivo com raízes no passado. Só mais tarde,
Cortesão supera teoricamente o nacionalismo saudosista de Pascoaes afirmando a
impossibilidade de separar o patriotismo do humanismo
universalista, e acreditando nos benefícios de uma abertura às novas ideias
que provinham do exterior.
Cortesão procura, em todo este
contexto, adoptar uma posição consensual e congregante entre as tendências e
atitudes distintas, de forma a manter a unidade e concretizar os objectivos da
Renascença. Ainda antes da reunião de Lisboa manifesta a Pascoaes a
concordância com o seu programa embora lhe falte filiar o papel da Renascença
no alto papel e no profundo fim da Arte na Vida. Mostrar a necessidade de desenvolver
o culto da Arte entre nós e as vantagens de substituir por uma atmosfera de
Beleza, de alta tolerância e de nobre desinteresse essa atmosfera de mesquinhas
ambições, intolerância e reles politiquice em que vive actualmente o público.
Após o encontro de Lisboa, Cortesão informa Pascoaes que aí quase todos
discordaram do seu manifesto e que a reunião dera bons resultados embora muito
diferentes daqueles que ele esperava. Não define claramente a sua posição, indica
apenas os pontos controversos apontados ao manifesto de Pascoaes na reunião de
Lisboa, sobretudo em relação ao ressurgimento da Raça propugnado por este. No
que diz respeito ao manifesto de Proença refere que os presentes foram da
opinião que ele correspondia melhor ao pensamento da maioria dos que o iam
assinar. Cortesão, procurando conciliar as posições, destaca os resultados mais
positivos, para Pascoaes entenda-se, da reunião: todos concordaram com a indicação
do Poeta da Saudade para director literário de A Águia. A opção pela não publicação destes programas
demonstra a necessidade de atenuar as divergências latentes e gerir
consensualmente as singularidades de pensamento dos vários promotores. Estas
divergências acabaram por se manifestar e transformam-se posteriormente em
afastamento e numa cisão parcial, caso de Raul Proença e António Sérgio». In
Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais do Pendsamento Contemporâneo,
Ensaio, Política, História e Cidadania, 1884-1940, ASA Editores, Setembro de
2004, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.
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