domingo, 8 de novembro de 2015

Política. História. Cidadania. Jaime Cortesão. Elisa N. Travessa «Só mais tarde, Cortesão supera teoricamente o nacionalismo saudosista de Pascoaes afirmando a impossibilidade de separar o patriotismo do humanismo universalista…»

jdact

Renascença Portuguesa e a Guerra. O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Concretização do sonho
«(…) O programa proposto por Proença, resultado da reunião de Lisboa, evidencia alguns aspectos comuns mas denuncia também claras contradições com o pensamento de Pascoaes. A existência da pureza fundamental da alma lusitana renascida e o repúdio em relação a todas as influências que emanavam do exterior eram ideias que não contavam com a adesão de Proença. A alteração do título do programa e do movimento para Renascença Portuguesa denuncia desde logo que Proença não partilhava do patriotismo saudosista, nem da investida contra o espírito europeu, considerando prejudicial um isolamento da nação em busca de uma identidade própria. Coincide na necessidade de dar uma alma nova à nação, mas acentua a necessidade de formar um núcleo de renascença nacional mais abrangente, passível de concentrar todas as tendências dispersas, contanto que úteis, e os espíritos mais díspares, contanto que dedicados. No diagnostico dos males, doença colectiva, que afectavam a sociedade aponta, entre outras, uma causa genérica, de índole moral, ou seja, os três séculos de educação jesuítica, princípio defendido por Antero, que a partir de um ensino de esquecimento, anulou todas as forças vivas e energias que tinham colocado a sociedade portuguesa a par da civilização mundial. Um isolamento da nação que transformou as ideias e as vivências nacionais anacrónicas em relação ao meio europeu. Os ventos novos do exterior, cientismo, positivismo, evolucionismo, determinismo, eram absorvidos tardiamente e por isso tornavam-se prejudiciais, e constituíam-se em estorvos e em preconceitos. O remédio, a terapêutica ou estratégia proposta por Proença, em contraste com a de Pascoaes, consistia em pôr a sociedade portuguesa em contacto com o mundo moderno, fazê-la interessar pelo que interessa aos homens lá de fora, dar-lhe o espírito actual, a cultura actual, sem perder nunca de vista, já se sabe, o ponto de vista nacional e as condições, os recursos e os fins nacionais. A criação de uma elite consciente e uma opinião pública esclarecida eram os fins essenciais da Renascença, tomando como meios a instrução, o livro, a revista, o panfleto etc., em tudo idênticos, neste aspecto preciso, aos propostos por Pascoaes. Considerando que era necessário dar ao país uma alma que o ressuscite, não concordava que esse intento tivesse como objectivo criar um país dependente das glorias do passado, mas grande da dignidade de um povo que quer ser livre e que merece ser livre. Curiosamente, Cortesão, à data da publicação destes manifestos, procura defender a Renascença desses males que Proença diagnosticava. Considera exagerada a opinião daqueles que propugnavam como remédio, para inverter o rumo da decadência, a educação cosmopolita, o banho salutar nas águas lustrais da civilização estrangeira, e injusta a acusação de isolamento que recai sobre a Renascença, lembrando a obra realizada na promoção das Universidades Populares. Cortesão aproxima-se, neste período, das tendências manifestadas por Pascoaes no seu manifesto e considera que o ideal de lusitanização conduz as nacionalidades a definirem nitidamente a sua obra civilizadora, procurando fazer da sua acção actual um corpo vivo com raízes no passado. Só mais tarde, Cortesão supera teoricamente o nacionalismo saudosista de Pascoaes afirmando a impossibilidade de separar o patriotismo do humanismo universalista, e acreditando nos benefícios de uma abertura às novas ideias que provinham do exterior.
Cortesão procura, em todo este contexto, adoptar uma posição consensual e congregante entre as tendências e atitudes distintas, de forma a manter a unidade e concretizar os objectivos da Renascença. Ainda antes da reunião de Lisboa manifesta a Pascoaes a concordância com o seu programa embora lhe falte filiar o papel da Renascença no alto papel e no profundo fim da Arte na Vida. Mostrar a necessidade de desenvolver o culto da Arte entre nós e as vantagens de substituir por uma atmosfera de Beleza, de alta tolerância e de nobre desinteresse essa atmosfera de mesquinhas ambições, intolerância e reles politiquice em que vive actualmente o público. Após o encontro de Lisboa, Cortesão informa Pascoaes que aí quase todos discordaram do seu manifesto e que a reunião dera bons resultados embora muito diferentes daqueles que ele esperava. Não define claramente a sua posição, indica apenas os pontos controversos apontados ao manifesto de Pascoaes na reunião de Lisboa, sobretudo em relação ao ressurgimento da Raça propugnado por este. No que diz respeito ao manifesto de Proença refere que os presentes foram da opinião que ele correspondia melhor ao pensamento da maioria dos que o iam assinar. Cortesão, procurando conciliar as posições, destaca os resultados mais positivos, para Pascoaes entenda-se, da reunião: todos concordaram com a indicação do Poeta da Saudade para director literário de A Águia. A opção pela não publicação destes programas demonstra a necessidade de atenuar as divergências latentes e gerir consensualmente as singularidades de pensamento dos vários promotores. Estas divergências acabaram por se manifestar e transformam-se posteriormente em afastamento e numa cisão parcial, caso de Raul Proença e António Sérgio». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais do Pendsamento Contemporâneo, Ensaio, Política, História e Cidadania, 1884-1940, ASA Editores, Setembro de 2004, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.

Cortesia de EdASA/JDACT