sábado, 21 de novembro de 2015

Poesia. Elogio. José Gomes Ferreira. «Teria eu verdadeiramente saboreado a vida se não tivesse feito outra coisa que não ouvir ou escutar, o muito precioso daquilo que sei permanece manchado de silêncio. Não, nem o mundo nem a experiência, nem a filosofia…»

Cortesia de wikipedia

Dá-me a tua mão
«Dá-me a tua mão.

Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira».
Poema de José Gomes Ferreira, in ‘Poeta Militante I

Viver Sempre também Cansa
«Viver sempre também cansa.

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação».
Poema de Gomes Ferreira, in 'Viver Sempre também Cansa'

Se Eu Agora Inventasse o Mundo
«Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhã já explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
conspiração da noite
com as pedras.

Luz que o cheiro das ervas da madrugada
aproxima os mortos do silêncio
com esqueletos de asas
conluio com o sol
para estarem mais presentes
no tacto da pele da manhã,
mil mãos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes...

Abro a janela
O mundo cheira tão bem a trevos ausentes!

Bons dias, mortos. Bons dias, Pai».
Poema de José Gomes Ferreira, in 'Elegia Fria com Lírios Inventados'

Cortesia de Citador/JDACT