Rei errante que não conseguiu voltar ao trono
«(…) Convinha, por conseguinte, refrear a impetuosidade do
jovem monarca e aquietá-lo com uma batalha que fosse decisiva. Carlos XII,
conhecedor dos intentos do inimigo, vê gorados os seus desejos de regresso à
sua corte. Ele, embora se sinta cansado de campanhas e de combates, compreende
que, para ter algumas probabilidades de êxito tem de aproveitar o entusiasmo
dos soldados, ainda quente, pelos passados feitos. De Saxe, já então comandando
uma massa disciplinada de 43.000 soldados, força considerável para o tempo e
para o seu pequeno país Carlos antecipa-se ao antagonista nos propósitos de
invasão, e toma a ofensiva, invadindo por seu turno a própria Rússia. Foi, talvez,
esse o maior erro que praticou em sua vida de guerreiro. Ele não desconhecia
quanto era delicada e de resultados problemáticos uma invasão dos territórios
russos, de infindáveis e desérticas planícies, mormente se tivesse de afrontar um
dos terríveis e devastadores invernos, internado naquelas áridas imensidades. Mas,
tão bom político como hábil militar, Carlos XII não se aventurou a tão
contingente proeza sem primeiramente se assegurar de uma valiosa aliança com o
famoso Mazepa, hetman dos cossacos
ucranianos, poderoso chefe dispondo de apreciáveis soldados e que, na altura,
estava rebelado contra o czar.
O chefe cossaco fizera-lhe fantasiosas promessas quanto ao auxílio
que lhe dispensaria-e, não podendo cumpri-las, colocou o aliado na terrível emergência
de nada mais encontrar senão as estepas desoladas e intermináveis, cobertas de
gelo. Desgraçadamente, esse Inverno de 1708
era dos mais rigorosos e tremendos não para os Russos, habituados às grandes
invernias dos desertos brancos, mas para os Suecos, que lhe sofreram mal as inclemências.
Os moscovitas, como mais tarde fizeram com as hostes napoleónicas e mais
recentemente com as avalanches motorizadas de Hitler, foram retirando diante
dos invasores, esquivando-se à batalha, com o propósito de os fazerem
internar-se fundamente. Ao mesmo tempo, enquanto os seus corpos recuavam sistematicamente,
sistematicamente também iam deixando a terra devastada. Os suecos gelavam de
frio e morriam de fome. Tombavam pelos caminhos, de inanição, e em breve
ficavam sepultados no gelo. Chegada a Primavera, do brilhante e vigoroso
exército invasor, apenas restava uma pálida sombra.
A dificuldade de deslocar em
ordem tão grande mole de homens, a maior parte sofrendo intensamente, depressa acudiu
ao espírito agudo de Carlos. Mas, porque já estava demasiado entranhado pelo
interior russo, só teve um único meio, o de prosseguir, apesar de tudo. Recuar
seria a morte inglória, sem combate. O
avanço dava-lhe uma probabilidade remota de escapar com a sua tropa. Em redor, ele
via, dia a dia, os seus soldados caírem, exaustos, vencidos pelas doenças, privações
e obstáculos de toda a espécie. O monarca sueco sentia-se impotente para
resistir, ou sequer lutar contra aquele terrível inimigo que eram os elementos
conjugados para o abater. Tudo ali se aliava contra a sua tropa, desmoralizando-lhe
os homens, minando-lhe a vontade de vencer». In Américo Faria, Dez
Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.
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