Tejo
que levas as águas
«Tejo
que levas as águas
correndo
de par em par
lava
a cidade de mágoas
leva
as mágoas para o mar
Lava-a
de crimes e espantos
de
roubos fomes terror
lava
a cidade de quantos
do
ódio fingem amor
Leva
nas águas as grades
de aço
e silêncio forjadas
deixa
soltar-se a verdade
das
bocas amordaçadas
Lava
bancos e empresas
dos
comedores de dinheiro
que
dos salários de tristeza
arrecadam
lucro inteiro
Lava
palácios vivendas
casebres
bairros da lata
lava
negócios e rendas
que a
uns farta a outros mata
Lava
avenidas de vícios
vielas
de amores venais
lava
albergues e hospícios
cadeias
e hospitais
Afoga
empenhos favores
vãs glórias
ocas palmas
leva
o poder de uns senhores
que
compram corpos e almas
Das camas
de amor comprado
desata
abraços de lodo
rostos
corpos destroçados
lava-os
com sal e iodo»
O senhor
gerente
«Para
falar ao gerente
em
nome de todos nós
se algum
de nós o procura
assoma
logo pela frente
um
homem de cara dura
a dizer
em alta voz:
Não
está o senhor gerente.
Nunca
está presente
Anda
sempre ausente
Bem
longe da gente
O senhor
gerente.
Todos
os dias à gente
repetem
que ele saiu
e só
amanhã virá.
Assim
nenhum de nós viu
jamais
o senhor gerente
mas ordens
que ele dá
essas
sente-as a gente.
Mesmo
quando ausente
Está
sempre presente
A mandar
na gente
O senhor
gerente.
Lá
no escritório o gerente
sem
dar ouvidos à gente
e
nós cá nas oficinas.
O esforço
da nossa lida
guarda-o
com unhas ferinas
somos
a fonte da vida
o dinheiro
é para o gerente.
Nunca
está presente
Anda
sempre ausente
Bem
longe da gente
O senhor
gerente.
Eis então
a causa assente
de fingir-se
sempre ausente
dos
rogos da nossa gente.
Mas
ouça senhor gerente
se mantém
a causa assente
de fingir-se
sempre ausente
que fará
então a gente?
Já que
não consente
Vai ficar
assente
Passa
a ser a gente
O novo
gerente».
Poemas
de Manuel da Fonseca, in “Que nunca
mais”
ISBN
978-989-619-124-5
JDACT