quinta-feira, 21 de abril de 2016

Vaticano. Luís Miguel Rocha. «… ao contrário do de 1922, este teve um desfecho bem diferente. Aliás, o Conclave de 1939 foi peculiar em muitos aspectos. Mencionarei apenas um: foi o primeiro Conclave da história que contou com a presença de uma mulher»

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Resignações e rejeições da eleição para papa
«(…) É sabido que algumas resignações papais ficaram na história. A maioria é difícil de comprovar devido à desorganização dos registos históricos e porque, muitas vezes, não existem quaisquer registos. Diz-se que o primeiro a resignar foi Clemente I, nos finais do século I, mas não há provas. Já no caso de São Ponciano, no século III, não há dúvida. Teve o azar de o imperador romano Maximino Trácio não gostar de cristãos. Fê-lo quando estava preso no exílio, para permitir a eleição de um sucessor. Marcelino e Silvério também foram obrigados a abdicar do trono pontifício. Bento IX teve o papado mais conturbado de que há memória. Não admira, pois, que haja quem diga que foi eleito papa pela primeira vez aos 20 anos, e que outros autores defendam que foi aos 12. Foi papa por três vezes. A primeira terminou com a expulsão, na segunda vendeu o cargo ao padrinho, numa noite de bebedeira. Arrependeu-se e recuperou o papado, mas, à terceira, acabou expulso pelas tropas germânicas de Henrique III. Diz-se que São Celestino V foi o primeiro papa a abdicar voluntariamente e a legislar sobre isso, mas esquecem-se que João XVIII o fez quase trezentos anos antes, em 1009. Quanto a São Celestino, o seu sucessor, Bonifácio VIII, apesar da saída voluntária do seu predecessor, mandou prendê-lo, e um buraco no crânio revela que não terá morrido de morte natural. Provavelmente, Bonifácio não governava lá muito descansado. Considera-se que Gregório XII foi o último papa a resignar, em 1415. Mas e quanto a cardeais eleitos em Conclave que não tenham aceitado a eleição? Será que isso alguma vez aconteceu? Sucederam a Pedro duzentos e sessenta e quatro papas e, em toda a história da Igreja, só há registo de que isso tenha ocorrido em duas ocasiões, e ambas no século XX. Não quer isto dizer que não possa ter acontecido antes e se tenha perdido nas areias do tempo. A primeira recusa ocorreu no Conclave de 1922. A escolha recaiu sobre o cardeal titular de Santa Maria della Scala, Camillo Laurenti, que a rejeitou liminarmente e pediu para não ser incluído nas votações subsequentes. A segunda opção do Conclave foi o cardeal-arcebispo de Milão, Achille Ratti, que escolheu o nome de Pio XI e nomeou Camillo Laurenti para Prefeito da Congregação dos Ritos, que foi dissolvida em 1969. A segunda recusa aconteceu no Conclave seguinte, em Março de 1939, que, assim como o de 2005, foi um dos mais rápidos da história. No entanto, ao contrário do de 1922, este teve um desfecho bem diferente. Aliás, o Conclave de 1939 foi peculiar em muitos aspectos. Mencionarei apenas um: foi o primeiro Conclave da história que contou com a presença de uma mulher. Havia sessenta e dois cardeais eleitores e a maioria de dois terços aconteceu à segunda votação. A eleição recaiu no Secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Eugénio Pacelli. Ele requereu que fizessem outra votação e que escolhessem outra pessoa, e abandonou a Capela Sistina. Foi encontrado no Pátio de São Dâmaso a tremer e a chorar. Disse que não estava preparado e não era digno desse cargo. Foi-lhe dito que não lhe competia decidir isso e pediram-lhe que regressasse à Capela Sistina. Os cardeais já tinham realizado a terceira votação. O resultado tinha sido a unanimidade. O nome do eleito: Eugénio Pacelii. já recomposto, aceitou o fardo e escolheu o nome de Pio XII. Outra curiosidade: isto aconteceu no dia 2 de Março, o dia do seu aniversário.
Sisto V, o papa implacável que transformou Roma
O trono pontifício, ao contrário daquilo que se possa pensar, é o mais democrático de todos, pois, desde o início, acederam ao lugar pessoas de todas as classes, com as mais variadas profissões, antecedentes e cadastros. De psicopatas a génios, de assassinos a santos, de banqueiros a monges, todos puderam sentar-se no trono de São Pedro. Felice Peretti era um pobre guardador de porcos de Grottamare, no centro de Itália, na região das Marcas. Passou muitas privações, fome, sofrimentos. Era austero e bruto, aprendeu a ler sozinho e ingressou na ordem franciscana, onde se tornou um pregador fervoroso que rapidamente ganhou fama. Até Inácio de Loiola, o fundador da Companhia de Jesus, se rendeu a este jovem impulsivo e ambicioso». In Luís Miguel Rocha, Obra Póstuma, Curiosidades no Vaticano, Porto Editora, Porto, 2016, ISBN 978-972-004-811-0. 
Cortesia de PEditora/JDACT