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A criação de uma futura Rainha (1085-1095)
«(…) Enquanto Afonso VI participava no cerco à cidade de Saragoça, durante
a Primavera de 1086, os seus espiões no Estreito de Gibraltar avisaram-no do desembarque
na Península de forças almorávidas, tropas berberes chamadas em auxílio pelos
reinos de taifas ibéricos, pois a perda de Toledo tinha gerado uma reacção de
orgulho numa parte da população muçulmana nativa.
Antes de empreender o regresso rumo ao centro, Afonso solicitou ajuda
aos nobres forasteiros que participavam no cerco da fortaleza de Saragoça. Não
se tratava de estimular o espírito guerreiro de cavaleiros idealistas, uma vez
que o risco era grande até para eles, pois séculos antes os muçulmanos tinham
chegado a instalar-se no sul da Gália, e o que hoje sofriam os cristãos da
Península Ibérica um dia poderiam senti-lo na sua própria pátria. Não é
provável, contudo, que nobres franceses tenham acompanhado Afonso no seu caminho
de regresso. Isso livrou-os de marcar presença na sangrenta batalha nos campos
de Zalaca, a norte de Badajoz, a 23 de Outubro de 1086, na qual as tropas
cristãs foram derrotadas e na qual cairia um grande número de guerreiros
pertencentes à nobreza galaico-portuguesa, entre eles o conde Rodrigo Muñiz Gallecie, filho do conde Muño Rodrigues,
casado com a infanta Jimena Ordóñez e considerado pela genealogia tradicional
pai de Jimena Muñiz.
Pelo contrário, nos confrontos entre cristãos e muçulmanos que teriam
lugar pouco depois no cerco de Tudela, estariam presentes dois sobrinhos de
Constança, o duque Eudes I Borrell, ruivo em catalão, de Borgonha e o seu cunhado,
o conde Raimundo de Borgonha, que no Verão de 1087 viajaram até Leão para prestar
homenagem à tia. De facto, a 5 de Agosto desse ano o primeiro confirmou ali um
documento de doação feito pela rainha.
É provável que tenha sido nessa altura que se concluiu o compromisso entre
Raimundo e a infanta Urraca, que rondaria os sete anos e era até esse momento a
única filha conhecida do rei Afonso. A poucos meses de uma derrota na qual
tinham caído muitos dos seus melhores soldados, o rei tinha necessidade de reforçar
o seu próprio poder. Uma das formas de conseguir o apoio dos seus nobres era
assegurar a sua sucessão, e uma vez que ainda não tinha um filho varão, só
podia fazê-lo casando a sua filha primogénita.
Segundo a Historia Compostelana,
o rei Afonso prometeu ao conde de Borgonha nomeá-lo seu herdeiro. Mas é preciso
ter muito cuidado com esta crónica, pois foi escrita em função dos interesses dos
arcebispos dessa sede, daí a sua parcialidade e às vezes distorção dos factos
históricos. Paradoxalmente, é uma das fontes a que mais recorreremos, porque
trata aspectos que a maioria das outras crónicas do período omitem.
A mulher de Raimundo, ou mais exactamente a sua prometida, era muito
jovem para ter descendência. Além do mais, o conde de Borgonha era um nobre
estrangeiro e, portanto, mais do que o seu parentesco com a rainha Constança
(não tão próximo como se disse, pois era tia por afinidade da sua irmã) pesaria
a sua estreita relação com o abade de Cluny e talvez o seu alto prestígio
nobiliário». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de
Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos
Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
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