domingo, 3 de abril de 2016

Portugal e a China. A Embaixada de Tomé Pires. Rui Manuel Loureiro. «… a fazer 5 mensuras diante de hum muro das casas do rey, todos em ordem, com ambos os jiolhos no chão e a cabeça e o rosto na terra, de bruços»

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«(…) A embaixada portuguesa encontrava-se em Pequim desde finais de 1520, ou talvez mesmo desde Agosto desse ano, encerrada no palácio destinado às missões estrangeiras, em humas casas de grandes curraes (Cartas). Tomé Pires e os seus companheiros apenas abandonavam estes aposentos para assistirem a sessões de instrução protocolar. Uma vez chegados à capital do Celeste Império, os estrangeiros que deveriam ser recebidos em audiência pelo Filho do Céu eram obrigados a ensaiar minuciosamente todos os passos da cerimónia. Uma das componentes obrigatórias do protocolo imperial incluía um conjunto de prostrações a realizar diante do soberano chinês. De acordo com Cristóvão Vieira, os portugueses, durante a sua estada em Pequim, dirigiam-se quinzenalmente ao palácio imperial, onde eram compelidos a fazer 5 mensuras diante de hum muro das casas do rey, todos em ordem, com ambos os jiolhos no chão e a cabeça e o rosto na terra, de bruços. Assim permaneciam até os mandarem alevantar 5 vezes a esta parede (Cartas). A descrição de Cristóvão Vieira corresponde basicamente ao koutou chinês, aportuguesado em co-tau, cerimónia ritual efectuada diante do imperador, que consistia em ajoelhar e tocar com a cabeça no chão repetidas vezes, normalmente nove. Entretanto, a carta de Vieira, único documento escrito por um membro da embaixada que possuímos, não se refere praticamente a Pequim, o que pode levar a supor que os portugueses não tiveram qualquer oportunidade de visitar demoradamente a cidade, estando quase sempre confinados aos seus aposentos ou encerrados em repartições oficiais. De facto, tinha-lhes sido aplicado um estatuto de semi-prisioneiros.
Depois de resolver a questão da revolta, Zhengde decidiu regressar a Pequim, onde chegou em meados de Janeiro de 1521. Durante a viagem de regresso à capital, porém, sofrera um acidente de barco, do qual não conseguiu recuperar. Depois de três meses de doença, o imperador chinês faleceu na Cidade Proibida, em Abril de 1521. Ainda antes desta data, a embaixada portuguesa começara a enfrentar os primeiros problemas com a burocracia imperial. Portugal nunca antes tivera relações oficiais com a China. Consequentemente, o país dos Folangji não figurava nas listas de estados tributários, cujas delegações eram periodicamente autorizadas a visitar Pequim. Em termos teóricos, os funcionários chineses poderiam aceitar pedidos de submissão à autoridade chinesa vindos de estados asiáticos. Havia exemplos anteriores de soberanos que tinham solicitado o selo imperial, como forma de reconhecimento da suserania da China sobre os seus territórios. Assumindo um compromisso meramente formal, estes governantes beneficiavam de uma protecção tutelar, que os punha ao abrigo, de um modo razoavelmente eficaz, da excessiva ambição territorial de vizinhos mais poderosos. Este sistema de relações externas não possuía qualquer equivalente aproximado na tradição europeia. Antes pelo contrário, el-rei Manuel I assumia nessa época uma postura quase imperial e apresentava-se aos soberanos orientais numa base de completa igualdade. Um dos motivos principais do fracasso da primeira missão portuguesa a Pequim seria precisamente a enorme distância que separava as formas portuguesa e chinesa de entender a política externa e as relações com outros estados. Ao chegar a Pequim, Tomé Pires apresentou às autoridades imperiais as suas credenciais. O embaixador era portador de uma carta selada, enviada pelo nosso monarca, cujo conteúdo se desconhece, mas onde, certamente, o Rei Venturoso escrevia a Zhengde em termos de igualdade, como o fizera antes a outros monarcas asiáticos, mostrando desejos de encetar relações de amizade e comércio. Nas palavras de João de Barros, el-rei Manuel I escrevia ao modo que elle usava escrever aos Reys Gentios daquellas partes». In Rui Manuel Loureiro, A Malograda Embaixada de Tomé Pires a Pequim, Portugal e a China, Conferências, Séculos XVI-XIX, Coordenação de Jorge Santos Alves, Fundação Oriente, Lisboa, 1997-1998, ISBN 972-9440-92-1.

Cortesia de FOriente/JDACT