domingo, 10 de abril de 2016

A Guardiã. Melissa Marr. «Naquele momento estava sem projectos e, ao mesmo tempo, não se sentia inspirada para criar nada por conta própria. Algumas pessoas lidam bem com uma disciplina diária, mas ela sempre fora o tipo de artista»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Em seguida, levantou-se e disse: vamos logo. Precisa tirá-la daqui. Lançou um olhar acusatório na direcção de Byron, que, por um breve momento, desejou rosnar como resposta. Não significa que não lamentasse pelos mortos. Ele lamentava. Dava muita atenção a eles, tratava-os com mais cuidado do que muitas pessoas recebiam ao longo da vida, mas não ficava choramingando. Não podia agir assim. O distanciamento era tão fundamental quanto às outras ferramentas de um agente funerário: sem isso o trabalho tornava-se impossível. Algumas mortes o abalavam mais do que outras, e a de Maylene era uma delas. Ela havia ocupado um cargo na casa funerária da família de Byron e cultivara uma longa amizade com o pai dele. Fora isso, foi responsável pela criação das duas únicas mulheres que ele um dia amou. Era praticamente da família, mas isso não significava que ele iria sofrer ali. Em silêncio e com cautela, Byron e Chris carregaram Maylene para o catre que Byron deixara do lado de fora da casa. Logo depois, posicionaram o corpo dentro do carro fúnebre. Quando a traseira do carro foi fechada, Chris respirou aliviado. Byron tinha lá as suas dúvidas se o delegado policial já teria participado de alguma investigação de assassinato. Apesar de todas as excentricidades, Claysville era a cidade mais segura que conhecia. Durante a infância e a adolescência, não se dera conta de como isso era incomum. Chris, sei de algumas pessoas que talvez possam ajudá-lo. O delegado assentiu com a cabeça, sem olhar para Byron. Diga ao seu pai que..., pronunciou Chris, com a voz cortada. Diga-lhe que vou ligar para Cissy e as meninas, emendou, depois de limpar a garganta. Pode deixar. Chris estava indo embora, quando parou perto da mesma porta lateral, pela qual haviam saído. Presumo, que alguém terá que avisar a Rebbekah. E é provável que a Cissy não ligue para ela. Ela precisa vir para cá o mais rápido possível, declarou o delegado, sem olhar para trás.
Rebbekah passou a maior parte do dia fora de casa, vagando pelo Gas Light District com um caderno de rascunho debaixo do braço. Naquele momento estava sem projectos e, ao mesmo tempo, não se sentia inspirada para criar nada por conta própria. Algumas pessoas lidam bem com uma disciplina diária, mas ela sempre fora o tipo de artista que precisava ter um prazo ou então estar obcecada por um propósito. Infelizmente, isso queria dizer que não sabia para onde canalizar a inquietude que experimentava, portanto, decidiu dar uma volta, levando consigo um caderno e uma máquina fotográfica antiga. Depois de perceber que nem o desenho nem a fotografia ajudariam, voltou para casa e deparou-se com mais de dez chamadas perdidas de um número desconhecido, e nenhuma mensagem. Dia agitado e ligações aleatórias... O que acha Querubim?, divagou Rebbekah, enquanto olhava pela janela e alisava as costas do gato. Ela estava em San Diego apenas há três meses, mas a comichão voltara. Ainda dispunha de quase dois meses antes de Steve retornar para reaver o apartamento, mas já se sentia pronta para partir. Hoje parece pior. Era como se nada estivesse no devido lugar. O resplandecente céu azul da Califórnia parecia pálido; o pão de frutas vermelhas que ela havia comprado na padaria do outro lado da rua estava sem sabor. Em geral, a sua irritabilidade não se convertia no embotamento dos sentidos, mas naquele dia tudo apresentava uma aura entorpecida. Talvez eu esteja doente. O que acha? O gato malhado no parapeito da janela balançou o rabo. A campainha soou no andar de baixo e Rebbekah olhou pela janela. O motorista do serviço de entregas já estava de volta à carrinha. De vez em quando seria bom que uma entrega fosse de facto entregue em vez de ser apenas largada, podendo apanhar chuva, ser pisada ou até mesmo roubada, resmungou Rebbekah, enquanto descia os dois lances de escada para alcançar a porta de entrada. Do lado de fora, nos degraus do prédio, havia um envelope castanho endereçado a ela com a caligrafia fina e alongada de Maylene. Rebbekah agachou-se para pegá-lo e quase o deixou cair ao perceber qual era o conteúdo». In Melissa Marr, A Guardiã, tradução de Débora Fleck, Editora Rocco, Wikipédia, 2011/2012, ISBN 978-853-252-776-9.

Cortesia de ERocco/JDACT