sexta-feira, 8 de abril de 2016

Bonuns Rex ou Rex Inutilis. As Periferias e o Centro. Redes de Poder no reinado de Sancho II (1223-1248). José Varandas. «… celebrada em Castela, no ano de 1257, e na qual dona Mécia se nomeia rainha, porque uma cousa é ter-se ela por rainha, e nomear-se por tal (…) outra é sê-lo de feito»

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Sancho II de Portugal. Fr. António Brandão (1632)
«(…) O cognome do rei parece ser outra preocupação de fr. António Brandão, que defendia a utilização daquela peça de vestuário por parte do rei como uma espécie de pagamento de promessa por causa de enfermidades que teria tido enquanto criança. Corroborava esta afirmação com a idade adulta do rei, os 20 anos, altura em que o monarca poderia vestir o hábito dos monges de S. Francisco, já que na sua infância esta ordem menorita ainda não se tinha implantado na terra portuguesa. A concórdia com Estêvão Soares Silva e com as suas três tias são também futuros clássicos tratados pela pena do cisterciense. As causas e as disposições de ambas as concordatas, bem como a sua existência, não são postas em causa por Brandão, embora desconfie que os textos chegados até ele, e que perduraram, muito dificilmente corresponderiam, cláusula por cláusula, ao espírito dos dois textos assinados naquele ano de 1223 (também aqui Herculano levanta algumas questões e reforça a desconfiança de fr. António Brandão ao referir que a importância daquelas duas composições não deveria ter passado despercebida à hierarquia eclesiástica e que, pelo menos, deveriam ter sido referidas em bulas de confirmação).
Outra dimensão aberta pela obra de António Brandão sobre as incertezas em torno de Sancho II é a da participação do monarca nas empresas militares contra o Islão. Alicerçado por bulas de cruzada e de incentivo despachadas pelos papas para terra portuguesa e destinadas a dinamizar no rei o espírito da investida contra as tropas de Mafoma, além de citar outros autores que reafirmam essas existências, Brandão valoriza a participação do rei português que, segundo ele, estaria já em 1225 em plena campanha contra aquelas forças inimigas. A crítica a Brandão não aceita alguma documentação por aquele citada, como verdadeira. Muitos consideram que documentos referidos como existentes na Torre do Tombo, mas nunca lidos pelo cisterciense, seriam de reinados anteriores e teriam sido confundidos com apelos à guerra e com descrições sobre a participação de outros reis portugueses na guerra contra os Sarracenos, como Afonso Henriques ou Sancho I.
E, sob o ponto de vista militar, é António Brandão que, pela primeira vez na historiografia portuguesa, introduz a problemática da conquista de Elvas, directamente pelo rei de Portugal e da conquista de outras praças-fortes bem no interior do limes islâmico do Gharb. Achava Brandão que a conquista se reportava ao ano de 1226, embora mais tarde as fontes viessem a confirmar antes a data de 1230, quase na mesma altura em que a fortaleza de Mérida cai nas mãos dos cristãos. Foi, Alexandre Herculano, quem mais tarde deu algum sentido à disparidade de informação entre as crónicas portuguesas e as estrangeiras acerca das datas em que Elvas caiu nas mãos dos guerreiros portugueses. A cidade teria sido tomada em 1226 numa primeira investida mas o contingente que a conquistou não a conseguiu manter, ou então, optou por destruir os seus muros e infra-estruturas mais importantes e depois abandonou-a. A ameaça cristã de novo assalto fez com que os seus habitantes e respectiva guarnição fossem forçados a abandoná-la definitivamente. É desta forma que as forças de Sancho II ocupam esta praça em 1230.
Inevitável, incontornável, e sem qualquer espécie de dúvida, encarado como um problema importante está o polémico casamento de Sancho II com dona Mécia Lopes de Haro. Citando A. de Magalhães Basto (A. H. apresenta argumentos que, pelo menos, coloquem a dúvida sobre a hipótese de o casamento ter existido; acaba mesmo por contribuir para invalidar a argumentação de Brandão, referindo dois documentos provenientes de arquivos espanhóis e que provavam a existência do casamento servia-se das descrições do Nobiliário para provar que o rapto da rainha tinha sido realizado) no comentário crítico que faz àquele episódio, os principais argumentos de Brandão resumir-se-iam da seguinte forma: 1. Conhecendo ele, Brandão, escrituras de doação de quasi todos os anos do reinado de Sancho, em nenhuma aparece nomeada dona Mécia, ou qualquer outra, como mulher do rei; mas a este respeito adverte, poderá haver alguma (escritura) que eu não visse em que se lhe dê este título, mas é dificultoso, porque vi muitas. 2. As bulas que há para el-rei não tocam cousa alguma em seu casamento. 3. Não fala do casamento o arcebispo Rodrigo Ximenes, tendo, aliás, acabado a sua História em 1243. 4. Nem tampouco de tal casamento faz cargo a Sancho II o papa Inocêncio IV na bula de deposição, de 24 de Julho de 1245, na qual, no entanto, este Pontifice aponta todos os defeitos e acções indecentes do rei. 5. Não prova o casamento a escritura publicada por Gudiel, celebrada em Castela, no ano de 1257, e na qual dona Mécia se nomeia rainha, porque uma cousa é ter-se ela por rainha, e nomear-se por tal (…) outra é sê-lo de feito.
Neste contexto, de que não teria havido casamento, Brandão coloca a hipótese de dona Mécia ter sido chamada a Portugal com esse engodo, ou eventual vontade do rei. Não sendo esposa de Sancho II a tradição do seu rapto e prisão no castelo de Ourém não colocava grandes problemas a fr. António Brandão. Não estando casada o ser arrancada à força ao rei de Portugal não parecia tão dramático, como se o fosse. Um dos problemas que o conde de Bolonha teria de enfrentar ao desembarcar em Portugal, além da hoste de guerra do seu irmão, seria o da aceitação da sua autoridade no reino. Fr. António Brandão acompanha algumas das narrativas e delas retira a ideia de que um conjunto apreciável de terras e lugares do reino se opôs à entrada de Afonso, como curador da terra portuguesa. Desses exemplos de lealdade põe em destaque a resistência de vilas como Óbidos (uma carta retirada da chancelaria de Afonso III, data de 1252 e integrada no maço dos forais da Torre do Tombo), Celorico e Coimbra, respeitando desta forma o quadro da tradição cronística que refere para esses locais, em especial para os dois últimos, momentos épicos de resistência ao vitorioso exército de Afonso, conde de Bolonha. Não deixa, no entanto, de referir, por comparação aqueles que muito cedo traíram o rei legítimo, como as acções vis dos familiares de Soeiro Bezerra ou a traição do alcaide de Leiria, e cuja descrição encontrou no Nobiliário do conde Pedro de Barcelos (indica que Coimbra nunca terá sido cercada, já que as forças do conde de Bolonha não se teriam aproximado daquela cidade, que à época, deveria estar bem guarnecida de defensores)». In José Varandas, Bonuns Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro, Redes de Poder no reinado de Sancho II (1223-1248), U. de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, Tese de Doutoramento em História Medieval, 2003.

Cortesia da FLUP/JDACT