«Entre
Duas Terras, não é mais do que a (des)construção de sentimentos..., de
pensamentos que têm aflorado ao longo dos últimos 12 anos!... Fruto não só mas
essencialmente do constante partir..., dessa ponte entre Alentejo e Algarve. O
tempo passa num ápice e tanto a ausência como a distância marcam! Gosto da
Terra. Hoje, aqui desta janela, sinto o seu perfume e o seu pulsar... Tudo o
que resulta desta relação é indiscutivelmente testemunho forte e emocionado do conceito
de ser Alentejano, de ser Monfortense... Quase sempre assim a vejo: de branco casario,
erguida num monte amuralhado, onde pessoas de todas as idades ainda dizem bom
dia ou boa noite e todos os vizinhos se conhecem, mesmo quando zangados. Tanta
falta que me faz essa amizade e solidariedade! Apanhei a boleia da nova
madrugada e vivi dias escritos de amizade, paixão, sorrisos e também de dor.
Essa dor que faz parte da vida e que nos deixa muitas vezes num vazio
silencioso, estonteante e deveras marcante... Existem episódios que nos
entristecem tanto! Mas outras imagens, que também passam neste filme, ajudam a
atenuar a dor desses momentos. São essencialmente pensamentos em que
predominam, entre outros: a música dos ribeiros, o olival, o voo da perdiz, os
amigos aos espargos ali para os lados da Torre de Palma, as noites da Praça e
as chapadas nas águas da Romana Ponte (a princesa da minha ânsia). É
verdade que estou agarrado à Terra e que vivo a recordar.
Monforte
é a Terra onde nasci, é um fascínio que está sempre a chamar por mim e eu por
ele. Utópico!? Imaginativo!? Sofredor, sufocante, obsessivo!? E possível.
Contudo é a realidade e sou sincero também comigo. Todos os dias mergulho nas
águas do meu pensamento e nelas me vejo de mãos dadas com os meus..., ou
sozinho a correr pelas ruas, ou a jogar às cartas com os amigos, ou..., tanta
coisa. Aqui dizem-me que pareço ter a Terra dentro dos olhos e que não vejo
mais nada à minha frente; dizem-me em bom e genuíno algarvio. Fico orgulhoso,
envaidecido e marafado com tais palavras, pois é sinónimo de que não me esqueci
das pessoas que amo, do que aprendi, do que vi... Guardo respeitosamente todos
estes momentos dentro de mim e estou sempre preparado para os (re)viver...,
estou sempre a voar e a correr cá dentro! Esta Terra (Lagoa), que (não) é a
minha nova Terra, recebeu-me de braços abertos e eu procuro dar-lhe idêntica resposta.
Também aqui, graças aos amigos, embarquei em novas viagens que embora distintas
têm idêntica realidade. Não é a mesma coisa, respondo-vos antecipadamente. Não
sou totalmente feliz! Mas o que é isso de ser-se totalmente feliz!?
Sou
demasiado pequeno e os olhos por vezes ardem-me. Nesses trechos de filme pego
numa tela, e mesmo que em abstracto, nela expresso ou impresso as minhas
emoções. Faço-me muitas vezes acompanhar pelo esvoaçar das gaivotas e pelo intenso
azul, pelo verde ou castanho..., mas
sempre colorido das águas do mar. São igualmente o meu ponto de fuga: a labuta
das andorinhas em redor dos beirais das casas apalaçadas, ainda de pé,
curiosamente, a sinfonia do coaxar das rãs no sapal, a emoção do perfume da
campina cor-de-rosa, essa maravilhosa veste de princesa, essa amendoeira em
flor... Da minha janela eu não abraço as minhas raízes, é certo, mas sinto a
dança da seara e a brisa renovadora ao entardecer..., e vejo cegonhas a voar
vagarosamente e a alimentar os seus filhotes..., e vejo os rodapés azuis,
amarelos e ocres das casas. Tudo isto é real! Só que, em vez da seara eu vejo
um extenso e esverdeado arrozal, que não dança da mesma forma e aqueles rodapés
que evoluem em escadinha até à torre mirante conventual, embora igualmente
casados com a brancura da cal, não refrescam tanto o meu interior! Entre Duas
Terras, é um livro de Poesia, Desenho e Pintura. Artes que, embora diferentes,
se complementam no meu interior!...» In Patico, Entre Duas Terras, Edição de
Arthur Ligne, Lagoa, 2013, ISBN 978-989-980-291-9.
Cortesia
de EALigne/JDACT