quinta-feira, 14 de abril de 2016

A Vingança em Paris. Steve Berry. «Os egípcios tinham-lhe dado a alcunha de Sultão El Kebir, um título de respeito, disseram. Até certo ponto. Sabe, Gaspard, que quando eu era criança, queria estudar ciências…»

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Planície de Gizé. Egipto. 1799
«O general Napoleão Bonaparte desmontou do cavalo e ergueu o olhar até à pirâmide. Outras duas jaziam próximas, em sucessão, mas aquela era a mais grandiosa das três. Que grande prémio pela sua conquista! No dia anterior, a viagem do Cairo em direcção ao sul, passando por campos margeados por canais de irrigação lamacentos e enfrentando um breve trilho de areia soprado pelo vento, fora tranquila. Duzentos homens armados fizeram-lhe companhia, pois era uma atitude imprudente aventurar-se sozinho nos confins do Egipto. Cerca de 1 quilómetro antes, havia-se separado do seu contingente e montado acampamento para passar a noite. O dia novamente tinha sido árido e escaldante, por isso esperara pelo anoitecer para a sua visita. Desembarcara em terra firme havia cinco meses, próximo a Alexandria, com 34 mil homens, mil armas de fogo, setecentos cavalos e 100 mil cartuchos de munição. Avançara rapidamente para o sul, conquistando a cidade do Cairo, já que o seu objectivo era abalar quaisquer resistências pela rapidez e surpresa. Depois, não muito distante dali, lutara contra os mamelucos num glorioso conflito que havia chamado de a Batalha das Pirâmides. Esses antigos escravos turcos haviam governado o Egipto por quinhentos anos e proporcionavam uma tremenda visão: milhares de guerreiros, em vestimentas coloridas, montados em garanhões exuberantes. Ainda era capaz de sentir o cheiro da cordite e o estrondo dos canhões, de ouvir o estalido dos mosquetes e os gritos de morte dos homens. Os integrantes das suas tropas, muitos deles veteranos da campanha italiana, lutaram bravamente. E, com apenas duzentas baixas no lado francês, capturara, virtualmente, o exército inimigo inteiro, ganhando controle total do baixo Egipto. Um repórter tinha escrito que um punhado de franceses havia subjugado um quarto do globo. Não era bem verdade, mas soava maravilhoso. Os egípcios tinham-lhe dado a alcunha de Sultão El Kebir, um título de respeito, disseram. Durante os 14 meses em que vinha governando a nação como comandante-chefe, descobrira que, como os homens que amavam o mar, ele amava o deserto. Amava, também, o estilo de vida egípcio, no qual o carácter contava muito mais do que as posses. Acreditavam, também, na providência. Assim como ele.
Bem-vindo, general. Que noite magnífica para uma visita!, bradou Gaspard Monge no seu costumeiro tom animado. Napoleão tinha apreço pelo francês, filho de um mascate, abençoado com um rosto largo de olhos profundos e um nariz carnudo. Apesar de instruído, Monge sempre carregava carabina e cantil e parecia ansiar tanto pela revolução quanto pela batalha. Era um entre os 160 estudiosos, cientistas e artistas, savants, como a imprensa os havia rotulado, que tinham viajado com ele desde França, já que viera em busca não só da conquista como também da aprendizagem. O seu modelo espiritual, Alexandre, o Grande, fizera o mesmo ao invadir a Pérsia. Monge já havia viajado com Napoleão pela Itália, ajudando a supervisionar a pilhagem do país; logo, confiava nele. Até certo ponto. Sabe, Gaspard, que quando eu era criança, queria estudar ciências. Durante a revolução em Paris assisti a várias palestras de química. Mas, infelizmente, as circunstâncias fizeram-me um oficial do Exército. Um dos trabalhadores egípcios levou o cavalo para longe dali, mas só depois de Napoleão pegar uma bolsa de couro. Ele e Monge estavam sozinhos agora, com a poeira luminosa dançando ao redor da grande pirâmide. Há alguns dias, disse ,fiz uns cálculos e concluí que essas três pirâmides possuem pedras suficientes para construir uma muralha de 1 metro de espessura e 3 de altura ao redor de Paris. Monge pareceu ponderar a declaração. É possível que isso seja verdade, general. Sorriu diante da evasiva. Falou como um matemático desconfiado. De modo algum. Apenas acho interessante a maneira como vê essas construções. Não em relação aos faraós ou às tumbas neles contidos, ou mesmo à assombrosa engenharia utilizada na sua construção. Não. Vê-as em termos associados à França. É difícil, para mim, evitá-lo. É no que mais penso». In Steve Berry, A Vingança em Paris, 2011, Livros d’Hoje, Grupo Leya, ISBN 978-972-204-916-0.

Cortesia de Leya/Ld’Hoje/JDACT