terça-feira, 26 de abril de 2016

As Pirâmides de Napoleão. William Dietrich. «Então, senti uma presença. Virei e notei uma sombra entre sombras. Quem está aí? Uma leve brisa passou e instintivamente tentei virar-me enquanto algo zunia pelo meu ouvido e atingiu o meu ombro»

jdact e wikipedia 

«(…) Ela alisou e desenhou o lugar onde o medalhão deveria tocar a minha pele. Quero usá-lo para você. E arriscar que um de nós se fure com ele? E beijei-a novamente. Além do mais, não é seguro carregar prémios como esse por aí no escuro. As mãos de Minette já exploravam o meu torso. Só para garantir. Eu esperava mais coragem. Vamos fazer uma aposta. Se você ganhar, eu o trago na próxima vez. Apostar como?, disse ela, de maneira suave e profissional. O perdedor vai ser aquele que gozar primeiro. Ela deixou a sua cabeça deslizar pelo meu pescoço. E as armas? Qualquer coisa que você consiga imaginar. Suavemente, eu inclinei-a um pouco para traz, usei a perna que já estava encostada no seu calcanhar para fazer um movimento e deitá-la na cama. En garde. Eu venci a nossa pequena disputa, mas ela insistiu numa revanche, que eu também ganhei, assim como a terceira rodada que a deixou gemendo. Pelo menos eu acho que ganhei, nunca sabe quando as mulheres realmente são honestas nesse quesito, ainda mais uma cortesã. De qualquer forma, foi o suficiente para mantê-la a dormir quando eu me levantei, antes do amanhecer, e deixei uma moeda de prata. Antes de sair, coloquei mais um pedaço de madeira na lareira para manter o quarto aquecido quando ela acordasse.
O céu cinzento foi o sinal para os lanterneiros se irem embora e, com isso, os trabalhadores de Paris acordavam para mais um dia. Carros de lixo disparavam pelas ruas. Homens com tábuas cobravam para fornecer pontes temporárias sobre ruas tomadas pela água estagnada. Carregadores de água levavam os seus baldes para as casas mais afortunadas. O meu bairro, St. Antoine, não era chique nem desprezível. Ficava no meio termo ao acolher profissionais como artesãos, marceneiros, chapeleiros e chaveiros. O aluguer sempre era baixo por conta do forte cheiro que misturava o aroma das cervejarias e tinturarias. Tudo isso, porém, era apenas mais um elemento no interminável odor parisiense de fumaça, pão e esterco. Bastante satisfeito com a minha última noite, subi as escadarias escuras do meu edifício com a única, e deliciosa, intenção de dormir até ao meio-dia. Por isso, quando abri a porta e entrei no meu quarto, resolvi encontrar o meu colchão em vez de perder tempo com velas. Mesmo sonolento, pensei se poderia penhorar o medalhão por um valor suficiente para poder conseguir um apartamento melhor. Já que Silano se havia interessado tanto, o seu valor poderia ser ideal para os meus propósitos.
Então, senti uma presença. Virei e notei uma sombra entre sombras. Quem está aí? Uma leve brisa passou e instintivamente tentei virar-me enquanto algo zunia pelo meu ouvido e atingiu o meu ombro. Não era algo afiado, mas a dor era intensa do mesmo jeito. Caí de joelhos. Mas que diabos? A pancada havia deixado o meu braço paralisado. Alguém me empurrou e caí de lado, todo desengonçado. Não estava preparado para isso! Dei um chuto meio desesperado, acertei num calcanhar e ouvi um grito que me causou certa satisfação. Deslizei para o lado tentando agarrar alguma coisa. Valia tudo naquela hora. Encontrei um cinto e puxei sem jeito. O invasor caiu no chão comigo. Mer…, ele vociferou. Levei um soco directo no rosto enquanto agarrava o meu agressor. A ideia era livrar da minha bainha para poder sacar a espada. Eu esperava que ele me empurrasse, mas, em vez disso, senti uma mão apertando a minha garganta. Está com ele?, outra voz perguntou. Quantos homens estavam ali? Até agora tinha atingido um braço, um pescoço e acabado de acertar um safanão numa orelha. O meu adversário gemeu novamente. Consegui virar-me e a sua cabeça bateu no chão. No meio da confusão, as minhas pernas atingiram uma cadeira que caiu e fez um barulho enorme. Ouvi um berro do andar de baixo: Monsieur Gage! Era a minha senhoria, a senhorita Durrell. O que está fazendo com a minha casa? Ajude-me, gritei, ou tentei gritar. A dor era muito forte.  Rolei para o lado, peguei minha bainha e comecei a sacar o meu florete. Ladrões! Em nome de Cristo, pode ajudar aqui?, o meu atacante disse a seu companheiro. Estou tentando achar a cabeça dele. Não podemos matá-lo enquanto não encontrarmos o que viemos buscar. E, então, alguma coisa me acertou e desmaiei». In William Dietrich, As Pirâmides de Napoleão, 2007, Grandes Narrativas, nº 490, Editorial Presença, 2011, ISBN 978-972-234-450-0.

Cortesia EPresença/JDACT