quinta-feira, 21 de abril de 2016

O Vaticano contra Cristo. Religiões. Tradução de José A. Neto. I Millenari. «O critério do superior em relação às admissões baseia-se na máxima “medium tendency”, todos médios e medíocres, para fazer carreira. Em termos percentuais, o critério da escolha é de 99% de dóceis e submissos»


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Mors Tua Vita Mea
(A tua morte é a minha vida)
«(…) A cúria vaticana tem necessidade de homens que não gritem por justiça, mas principalmente que sejam eles próprios, verdadeiros justos. Cristo, na verdade, não chamou bem-aventurados àqueles que pensam ser possuidores da justiça, mas àqueles que têm fome e sede de justiça. De resto, aqueles que querem viver piamente em Cristo Jesus serão perseguidos. Mas os perversos e os impostores irão de mal a pior, ao mesmo tempo enganadores e enganados. Este de mal a pior é entendido como um de mal a pior na impostura e na maldade, mas, na carreira, vão de vento em popa. O monsenhor que é subalterno, quando discriminado, julga muitas vezes que é ignorado ou na sua virtude ou na sua promoção. É uma ilha. Por graça, alguém fez derivar o étimo de monsenhorado do latim mons ignoratus, uma excelsitude ignorada. Donde o método do divide et impera, isto é, quanto mais divididos estiverem os monsenhores subalternos, melhor se dominam.
Longe deles o desejo fatal de se unirem sob qualquer forma que possa insinuar uma corporação sindical. A pena mais branda poderia ser a segregação vitalícia daquele meio. Uma teoria geofísica afirma que, no passado, os continentes se visitavam unindo-se em abraços telúricos e que, actualmente, permanecem à espera de se livrarem do embaraço que mutuamente os impede de o fazer. O continente Vaticano gosta que as pessoas permaneçam ilhas para melhor proceder à sua observação. Se não é consentido aspirar a cargos, a promoções, a reconhecimentos e às alegrias de serviços prestados com plena dedicação, direito inerente à própria natureza do homem, o critério de escolha na admissão e na promoção é diferido e assumido pelo superior de turno que é inapelável na sua discrição decisional. Prefere satisfazer os medíocres, facilmente manobráveis, do que os dotados de personalidade forte e decidida. Mas as pessoas intelectualmente pobres são também as mais mesquinhas. A mediocridade nunca foi uma obrigação para a sociedade, mas, para a cúria vaticana, sim, dado considerar que o conjunto dos subalternos é um montão de pessoas com falhas de aspirações.
O critério do superior em relação às admissões baseia-se na máxima medium tendency, isto é, todos médios e medíocres, para fazer carreira. Em termos percentuais, o critério da escolha nas admissões de eclesiásticos é de 99% de dóceis e submissos. O candidato de forte carácter é considerado um erro de avaliação, a manter sob vigia. É incrível mas é verdade. Houve um longo período de tempo em que, num dicastério, o subsecretário, vedor, para dirigir os assuntos da repartição e medir o grau de confiança do pessoal, se inspirava na oscilação do pêndulo suspenso da sua mão de radioestesista infalível. Usava-o também na cozinha e no restaurante, mas por baixo da mesa; segundo dizia, estava sempre bem, graças ao objecto. Personalidade hábil e vacilante, recusou até à morte usar o televisor, mas era assíduo ao jornal da rádio vaticana para estar actualizado sobre as promoções e demissões. O resto do dia passava-o atrás dos vidros da janela a fixar na memória todos os prelados que passavam naquele reduzido ângulo vaticano.  estamos na estratosfera fantascientífica. Também a este o tempo o leva!
Heraclito dizia que um só, para mim, vale dez mil, se é o melhor; norma que incomoda o superior de meia tigela que, perante o súbdito preparado e inteligente, sente que perde o prestígio. Um punhado de pobres super-homens que se arrogam o direito de governar com poder absoluto e ilimitado, reduz o corpo de subordinados da cúria à condição de uma assembleia de autómatos com a função de ratificar os actos do chefe. Os subalternos habituam-se a concordar sem intervir, como, nos diálogos de Platão, o interlocutor Adimanto: muito bem, certíssimo; porque não?, bem dito; é claro... Um solilóquio sob a forma de diálogo. Um servidor convenientemente moldado transforma-se num palaciano afectado. Já não vestirá o fato de funcionário de um Estado de direito, cujos súbditos são iguais perante a lei. Porque no Vaticano a lei é ondulante. Os direitos de Deus conferidos à dignidade da pessoa são menos importantes do que os pretendidos pelo superior nas fases da promoção ou da despromoção. Nos Estados Unidos da América, em Arlington, sobre o monumento dedicado ao Soldado Desconhecido, lê-se a seguinte divisa: desconhecido de todos, mas não de Deus: uma divisa semelhante, no Vaticano, não ficaria mal!» In I Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN 972-46-1170-1.

Cortesia Casa das Letras/JDACT