terça-feira, 19 de abril de 2016

Eve e as Trevas. Sylvia Day. «Duas adolescentes reuniram-se a esta, atrás de si. Vestiam tops de alças sobrepostos e calças de cós baixo, a grande moda do momento. Um cheiro a perfume caro impregnava o ar em redor delas»

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«(…) Isso foi antes de ela ser raptada e praticamente feita em pedaços, disse Eve, levantando-se. Volto já. Preciso de ir à casinha. Alec agarrou-lhe o pulso. Ela arqueou as sobrancelhas interrogativamente. Meu anjo, disse ele, beijando-lhe as costas da mão. Quando te digo para parares de pensar neles, não é porque queira que vivas num mundo de fantasia. Quero apenas que vejas o que há de bom em teu redor. Viste uma mãe cuidar do seu bebé, mas não reparaste no milagre que isso encerra, pois estavas demasiado concentrada no demónio sentado a seu lado. Não lhes dês poder para que te estraguem o dia. Eve franziu o sobrolho e assimilou as palavras dele, acenando depois com a cabeça, em sinal de anuência. Se Alec vivia com a Marca há uma eternidade e conseguia ainda ver milagres, também ela poderia tentar. Volto já, disse. Ele largou-a. Depois de passar cuidadosamente pelos outros espectadores sentados na mesma bancada, Eve subiu a correr os amplos degraus de cimento. Ainda ficava maravilhada com a velocidade, a força e agilidade que ganhara graças à marca gravada na parte superior do braço. Sempre fora atlética, mas agora era a supermulher. Bom..., não podia voar, mas conseguia saltar alto como o raio. Conseguia também ver no escuro e arrombar portas trancadas, habilidades que nunca imaginara vir a necessitar ou a apreciar. Eve alcançou o átrio e seguiu as indicações até aos lavabos mais próximos. A fila chegava à porta. Felizmente não estava desesperada. Precisava sobretudo de sair do seu lugar. Por isso esperou pacientemente, baloiçando-se sobre as havaianas, de mãos nos bolsos. De vez em quando, uma brisa despenteava-lhe o rabo-de-cavalo, arrastando consigo o cheiro do mal e almas em putrefacção, um fedor pungente que lhe dava a volta ao estômago, algures entre o cheiro a decomposição e o fedor da mer… fresca. Surpreendia-a o facto de os Intocados não se aperceberem dele. Como era possível ter vivido vinte e oito anos da sua vida num estado de absoluta ignorância? Como era possível que Alec vivesse há séculos num estado de absoluta consciência? Mãe! O rapazinho à sua frente cruzava as pernas e remexia-se furiosamente. Tenho de ir! O facto de a mulher parecer irmã da criança não era motivo de grande surpresa. No Sul da Califórnia, muitas mulheres que não envelheciam convertiam-se em caricaturas plastificadas da sua versão juvenil. Esta era loura-oxigenada, com um bronzeado perfeito, seios demasiado grandes para a sua constituição esguia e lábios volumosos e brilhantes. A mãe olhou em redor. Deixa-me ir à casa de banho dos homens, implorou ele. Eu não posso lá entrar contigo. Faço num instante! O rapaz devia ter uns 6 anos. Já era suficientemente crescido para fazer xixi sozinho, mas Eve entendia a preocupação da mãe. Uma criança fora assassinada numa casa de banho pública, ali perto, em Oceanside, enquanto a tia a esperava cá fora. O demónio que orquestrara tal horror usara o truque mais velho do mundo, fingir ser Deus. A atormentada mãe hesitou durante muito tempo, acabando por acenar nervosamente com a cabeça. Despacha-te. Podes lavar as mãos, aqui, na casa de banho das senhoras. O rapaz passou pelos chafarizes a correr e enfiou-se na casa de banho dos homens. Eve dirigiu um sorriso compadecido à mãe. A fila ia avançando lentamente. Duas adolescentes reuniram-se a esta, atrás de si. Vestiam tops de alças sobrepostos e calças de cós baixo, a grande moda do momento. Um cheiro a perfume caro impregnava o ar em redor delas, atenuando de forma perfeita o cheiro a decomposição. No estádio, a multidão rugiu. Um dos defesas laterais dos Chargers era um lobisomem. Devia ter feito algo digno de aplausos a avaliar pela ovação de alta frequência dos Infernais presentes no meio da multidão. Porque está uma fila tão grande?, perguntou a rapariga atrás dela. Eve encolheu os ombros, mas a mulher que estava à sua frente respondeu: as casas de banho acolá, apontou para a esquerda com uma unha de gel, estão fechadas para obras. Nem de propósito, Eve sentiu um formigueiro e depois um ardor na marca gravada no deltoide. Suspirou e abandonou o seu lugar. Podes ficar com o meu lugar. Não estou muito aflita. Obrigada, respondeu a adolescente. Eve dirigiu-se para a esquerda, resmungando para consigo mesma: grandes férias. Mas também já estavas saturada, querida, ronronou-lhe uma voz familiar. Eve olhou para o lado e viu Reed Abel acertar passo com ela, com um sorriso demoníaco, que contradizia em pleno as asas e a auréola que exibia de vez em quando para impressionar. O irmão de Alec era um mal’akh (mensageiro), mas tinha muito pouco de angélico». In Sylvia Day, Eve e as Trevas, 2009, tradução de Leonor Marques, 5 Sentidos, Porto Editora, Porto, 2015, ISBN 978-989-745-017-4.

Cortesia 5Sentidos/PEditora/JDACT