quarta-feira, 13 de abril de 2016

Confissões de uma Freira Pagã. Kate Horsley. «Uma vez, estava eu a segurar a minha irmã mais nova pelo pulso e a bater-lhe na perna com uma colher de pau, tal como a minha irmã mais velha me fez muitas vezes»

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«(…) Antes de conhecer Giannon, eu tinha conhecido dois outros druidas. Um era o mestre do ritual das Leis e era chamado para fazer julgamento em casos de roubo ou assassínio. O outro era consultado sobre os assuntos da agricultura e do destino e que requeriam um conhecimento profundo do calendário e do movimento das estrelas. Ambos também conheciam alguns medicamentos, mas a minha mãe era mais conhecedora das plantas. Estes dois druidas, e outros viajantes que passavam na nossa túath, contavam várias histórias sobre milagres druídicos, mas eu própria nunca vi um druida a fazer aparecer relâmpagos ou a enfeitiçar um homem segredando a uma palha e atirando-lhe a mesma. Mas quando uma certa escuridão, como o nevoeiro negro, não justificável por fumo ou nuvens, se abatia sobre nós, as pessoas diziam que era um truque de druida. As histórias até se referem a batalhas travadas entre os druidas e São Patrício, nas quais cada homem apelava à sua fonte de magia. Patrício saía sempre vencedor e o druida ficava de alguma forma mutilado, sendo geralmente o seu crânio esmagado pelo poder de Deus, assim como conjurado pelo nosso primeiro Santo.
Eu já tinha ouvido falar de Giannon, o Druida, porque ele vinha, às vezes, aconselhar o chefe e era um mestre de palavras e histórias. Uma vez, estava eu a segurar a minha irmã mais nova pelo pulso e a bater-lhe na perna com uma colher de pau, tal como a minha irmã mais velha me fez muitas vezes, quando levantei os olhos e Giannon estava ali, como se se tivesse criado a si próprio do ar. Ele olhou-me com olhos de uma cor castanha profunda, como a do Poço das Acções de Remorso, onde os homens envergonhados se afogam. Quando ele me viu a bater na perna da minha irmã, ele não fez uma só pergunta, mas eu senti a necessidade de lhe dar uma resposta. Apontando com a colher para a criança que choramingava, eu disse: ela desobedeceu-me, porque ela tinha o hábito de me morder, coisa de que não gostava. Giannon tirou-me a colher e bateu-me ao de leve com ela na cabeça, como se a colher fosse um pau de teixo e ele me estivesse a lançar um feitiço. Sorriu e eu vi que os seus dentes eram bons. Depois foi-se embora, com uma postura peculiarmente erecta e uma passada larga. A sua capa castanha balançava devagar, de um lado para o outro. Giannon tinha o cabelo da cor castanha avermelhada de folhas de carvalho à beira do Inverno. Sem barba, ele tinha uma profusão de sobrancelhas, ariscas e humorísticas, que ele parecia pentear para fora por mania. Os seus dedos eram compridos e eu senti que, outrora, talvez ainda nessa manhã, ele tinha sido uma árvore de ramos grossos, levantados como braços, sendo as folhas como os farrapos de uma capa. Ele gostava muito do jogo da malha e tinha fama nas feiras de ganhar muitos concursos. Eu já senti os seus braços e sei que eram fortes. Nessa noite, sonhei que tinha mostrado os meus seios a Giannon e que eles se tinham tornado grandes nas suas mãos. Quando eu perguntei à minha mãe quais eram os poderes dele, ela disse-me que o seu maior poder era espantar a alegria dos outros. Mas ela também me disse que ele conseguia fazer marcações que punha nas pedras ou no couro, tal como um homem faz o diagrama da sua casa com um pau na terra. Ela disse que, mais tarde, ele conseguia ler estas marcações e que estas marcações podiam ser lidas por um outro homem até anos depois daquele que as fez estar morto». In Kate Horsley, Confissões de uma Freira Pagã, tradução de Mariana Pereira, Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN 972-860-518-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT