«(…) Um segundo momento relevante confrontou Emílio Costa com o novo
regime saído das jornadas revolucionárias de 4 e 5 de Outubro de 1910. Não
recusou colaborar com a República, chegando mesmo a desempenhar cargos no
âmbito da Comissão de Trabalho criada para arbitrar conflitos laborais e, pouco
depois, protagonizou uma breve experiência como Adido de Legação na embaixada
portuguesa em Berna, sob insinuações de companheiros que o acusavam de, ao colaborar
com o Estado, trair o ideal libertário. Mas foi sol de pouca dura esse
benefício da dúvida. Em escassos seis meses tudo se desvaneceu e a expectativa
é substituída pela descrença e mesmo pela oposição. Submeteu o novo regime a
uma crítica impiedosa, sistemática mas equilibrada, exercida em jornais de
grande expansão como O Intransigente, de Machado Santos, e A Capital.
O partidarismo exacerbado, os propósitos asfixiantes do Terreiro do Paço, a
incapacidade demonstrada pelos novos governantes em resolver os crónicos
problemas nacionais e, de um modo particular, o divórcio irreversível declarado
entre o Governo Provisório e o movimento operário e sindical, converteram
Emílio Costa num céptico. A partir de 1911, analisa e denuncia a nova situação,
em especial os seus aspectos mais controversos ou mesmo negativos. Não se
quedava, porém, como tantos outros, no plano dos grandes princípios, nem se
perdia no labirinto retórico das frases propagandísticas sem conteúdo. Isento
das paixões partidárias, num sentido lato, deformantes, que contaminavam a
imprensa nacional de então, optou por uma crítica pedagógica, escalpelizando metodicamente
quer os grandes temas da vida nacional e internacional, quer os pequenos
conflitos do dia a dia, resultantes de traumas e vícios ancestrais. Alertava
com ênfase para os enormes contrastes entre a maneira de ser e viver dos
portugueses e a dos suíços, belgas ou franceses, que conhecia em pormenor.
Advertia contra os perigos do centralismo, da incompetência, da politiquice
despudorada que ameaçava destruir, irremediavelmente, as expectativas
depositadas na República. As dezenas de artigos escritos entre 1911 e 1914
permitem-nos compreender a sua postura perante a nova situação, mas também constituem
um valioso e lúcido testemunho pessoal sobre a falência de um regime que
malbaratou um enorme capital de esperança.
A eclosão da Grande Guerra possibilitou-lhe uma nova tomada de posição
polémica, ao assumir-se como o mais destacado representante em Portugal do anarquismo
intervencionista, expressão utilizada para designar a corrente favorável à
intervenção no conflito, contra os impérios centrais, animado a nível
internacional por Kropotkine e Jean Grave, entre outros. Através da
conferência, do folheto ou do artigo de jornal, Emílio Costa lidera o grupo
apelidado pelos seus adversários de guerrista, provocando assim uma
irreversível cisão no anarquismo português. Os seus textos dessa época são
guias seguros para o conhecimento sistematizado dos argumentos aduzidos por guerristas
e antiguerristas, tanto a nível nacional como internacional». In
António Ventura, Entre a República e a Acracia. O Pensamento e a Acção de
Emílio Costa (1897-1914), Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-94-0.
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