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O Oriente Português: a perda de Ormuz e Malaca. O Brasil
As alterações de Évora
«(…) A partir de 1634, o peso dos impostos, a meia anata e o real de água,
gerou novas manifestações de protesto. No ano de 1635 - 1636, houve
manifestações hostis em terras do Minho (Viana do Lima) e de Trás-os-Montes
(Chaves, Arcozelo, Vila Real). O País sofria os efeitos de maus anos agrícolas
e da falta de numerário, o que levou ao aumento do desemprego rural. O
mal-estar atingiu muitos estratos do clero e da nobreza regionais, exaustos
pelo peso da tributação. Manuel Severim Faria, chantre da Sé de Évora, podia ao
tempo escrever:
E ainda que é grande o cuidado e zelo de S.A., crescerão tanto com a
indústria dos inimigos de Espanha, e com as esterilidades dos anos, os
infortúnios neste reino, que está reduzido a um miserável estado.
Nobres castelhanos foram enviados para Lisboa, a fim de ocuparem postos
militares da confiança da duquesa de Mântua, o que mais aumentou o ódio da
população contra a política de Olivares. Em Julho de 1637, os pescadores do
Tejo entenderam protestar contra a exigência de um passaporte aos que, na faina
da pesca, desejavam sair da barra. Como reacção, lançaram pedras contra as
janelas do Paço da Ribeira. Mas a coroa, não satisfeita ainda com o peso dos
impostos, mandara proceder ao cadastro de todas as fazendas do Reino, para sobre
elas fazer incidir um novo tributo. Pode afirmar-se que, nos meados daquele ano,
uma surda hostilidade alastrava na população contra a política espanhola.
A cidade de Évora foi o principal baluarte da reacção antifilipina. Além
do descontentamento pela política fiscal do Governo, acrescia a crise agrícola
que se fizera sentir na província do Alentejo. No dia 21 de Agosto de 1637,
dois procuradores dos mesteres, respectivamente o barbeiro João Barradas e o
borracheiro Sesinando Rodrigues, exigiram do corregedor local a revogação da
medida, no que não foram atendidos. Tanto bastou para que a população se
amotinasse e o corregedor tivesse de fugir pelo telhado, sob pena de massacre.
Depois o povo saqueou a morada dos vereadores e oficiais do número afectos a Castela,
ficando a cidade em poder dos revoltosos. Começaram a circular panfletos em
nome de um Manuelinho, pobre doente mental que a população muito estimava, o
que mais afervorou o ânimo dos Eborenses. Nesses papéis exortava-se o povo a
varrer o domínio estranho e a restituir a coroa aos reis naturais, ainda que
não se mencionasse, como é evidente, a casa ducal de Bragança.
Todos os estratos sociais aderiram ao movimento, sendo de registar o
apoio dos professores jesuítas da Universidade de Évora, em especial do padre
Sebastião Couto, que, na opinião do Doutor Filipe Mendeiros, parece ter sido o
cérebro das alterações. Embora a coroa procurasse minimizar o acontecimento, o
certo é que a revolta de Évora teve imediata projecção no Reino. Muitas terras
do Alentejo (Portel, Campo de Ourique, Montargil, Coruche) também se revoltaram
contra os impostos. Há notícia de motins no Porto, Vila Real e Viana do Lima,
assim como em várias povoações do Algarve, Tavira, Faro, Loulé, Albufeira),
onde também se protestou contra a política fiscal de Olivares. No Ribatejo
(Golegã, Abrantes, Sardoal, Mação, Ferreira do Zêzere) queimaram-se os livros
camarários. Por toda a parte o clero, a nobreza regional e o terceiro estado se
uniram contra o poder estranho, como bem demonstrou o Doutor António Oliveira, o
melhor especialista da última fase do domínio filipino. E, perante o alastramento
dos ruídos, Filipe IV mandou reforçar as guarnições militares, com
ordens expressas para castigar os culpados, o que fez aumentar em todos os
cantos do País a resistência passiva contra Castela». In Joaquim Veríssimo Serrão, O
Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Edições Colibri, Estudos
Históricos, Lisboa, 1994, ISBN 972-8047-58-4.
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